Páginas

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Boca maldita.


Gregório de Matos, um dos expoentes da literatura brasileira barroca do século XVII, foi uma figura controvertida em sua vida, como também nos seus versos. De família abastada, nasceu no ano de 1636 em Salvador, na Bahia, tendo na juventude ido para Portugal, formando-se em Cânones na Universidade de Coimbra. Voltando a Salvador, ocupou cargos na magistratura e no serviço público da Coroa portuguesa mas, de vida desregrada e de gênio difícil, não se mantinha neles. Entrando em desgraça com os poderosos do vice-reinado, foi degredado para Angola, voltando um anos depois para Recife, Pernambuco, onde morreu próximo dos sessenta anos.

***************

De poesia satírica e mesmo erótica, o que lhe rendeu inúmeros desafetos, ao fim da vida seus versos se transformaram em lirismo e arrependimento. Voltou-se para Deus, pedindo perdão pela vida nada correta que levara.


****************

Seus versos estão dispostos em diversas Antologias poéticas. Vejamos alguns excertos:



- A um certo frade que galanteava repetidamente uma moça, o que causava muito desconforto, mandou ela uma panela com excrementos. O poeta a defendeu:

Se vos mandara primeiro
o mijo num panelão,
não ficáreis vós então,
mui longe do mijadeiro.
Mas a frade malhadeiro
que não sente a sua perda,
seu descrédito ou desar,
que havia a Moça mandar,
senão merda com mais merda?
(desar: desgraça)

***************
SE os cagalhões são duros,
tão gordos, tão bem dispostos,
é porque hoje são postos
e ainda estão mal maduros.
Repartam-se nos monturos,
nas enxurradas dos tais,
é de crer que abrandem mais,
porque a Moça cristamente
não quer que quebreis um dente,
mas deseja que os comais.

***************
Uma senhora tinha o hábito da flatulência.
O poeta fez dela a sua musa:
Cota, o vosso arcabuz
parece ser encantado,
pois sempre está carregado
disparando tantos truz.
Ela, jamais sem parar
faz tão grande bateria,
que de noite nem de dia
pode tal c. descansar.

***************
Gregório fez corte insistente a uma moça. Ela cedeu, enfim, mas com a condição de primeiro se lavar e ele também. Gregório não deixou por menos:
A que se esfrega amiúdo,
se há de amiúdo lavar,
porque lavar e esfregar
quase a um tempo se faz tudo.
Se vós, por modo sisudo,
o quereis sempre lavado,
passai e tomai cuidado
de lavar o vosso cujo.
Por meu esfregão ser sujo
já me dou por agravado.

As damas que mais lavadas
costumam trazer as peças
e disso se prezam, essas
são as damas mais deslavadas.
Porque vivendo aplicadas
a lavar e mais lavar-se,
deviam desenganar-se
de que não se lavam bem,
porque mal se lava quem
se lava para sujar-se.
Lavar para me sujar,
isso é sujar em verdade.
Lavar para a sujidade,
fora melhor não lavar.
De que serve, pois andar,
lavando sem que me deis?
Lavai-vos quando o sujeis,
e porque vos fique o ensaio,
depois de meter lavai-o,
mas antes não o laveis.

***************

Gregório desejava muito uma certa dama de Salvador. Ela, esperta, acenou-lhe com alguma possibilidade, desde que o poeta lhe presenteasse com um craveiro, uma planta rara com haste ereta e uma flor vermelha na ponta. O poeta aproveitou:

O craveiro que quereis,
não vo-lo mando, senhora,
só porque não tem agora
o vaso que mereceis.
Por que se vós o quereis,
quando por vós eu me abraso,
digo em semelhante caso,
sem ser nisso interesseiro,
que vos darei o craveiro,
depois que me der o vaso.

***************
A uma dama que tinha uma corcunda:
Laura minha, o vosso amante,
não sabe, por mais que faz,
quando ides para trás
nem quando para diante.

***************
A uma mulher que cheirava mal:
Afirmo que a vossa quilha,
em chegando a dar a bomba,
se muito vos fede a tromba,
muito vos fede a cavilha.
A mim não me maravilha
que exaleis esses vapores,
porque se os cheiros melhores,
caçoula formam conjuntos,
de muitos fedores juntos
nasce o fedor dos fedores.
(caçoula: vaso com plantas odoríferas).

***************
Ao sair de Coimbra escreveu:
Adeus, Coimbra inimiga,
dos mais honrados madrasta,
que me vou para outras terras
onde viva mais à larga.
Adeus, prolixas escolas,
com reitor, meirinho e guarda,
lentes, bedéis, secretários,
que tudo somado é nada.
***************
Lamentava a sua situação já no Brasil:
Era eu em Portugal
sábio, discreto, entendido.
Poeta melhor que alguns,
douto como os meus vizinhos.
Querem-me aqui todos mal,
mas eu quero mal a todos.
Eles e eu, por vários modos,
nos pagamos tal por qual.

***************
Sua pena era pessimista:
Todos somos ruins, todos perversos.
Só nos distingue o vício e a virtude
de que uns são comensais, outros adversos.

**************
Passou a vida semeando maledicência e colhendo tempestades. E se reconhecia com talento para a sátira:
Noutras obras de talento
só eu sou o asneirão,
mas sendo sátira, então,
só eu tenho entendimento.

***************
Sua moral era bem eclética:
Oh, não aguardes que a madura idade
te converta essa flor, essa beleza,
em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada!

***************
Assim retratou o governador da Bahia, que tinha um nariz um tanto grande:
Nariz de embono
com tal sacada,
que entra na escada
duas horas primeiro que seu dono.

***************
Numa lide jurídica, Gregório defendeu um homem que tratara por Vós um juiz meio simplório. Como se chamava assim a El Rei, o juiz tomou o dito por um insulto e queria prendê-lo. Gregório defendeu o homem desse modo:
Se a Deus se trata Tu
e se chama El Rei de Vós,
como chamaremos nós
ao juiz de Iguaraçu?
Tu e vós e vós e tu...

***************
Irreverente ao extremo, chamou a Sé da Bahia de "presepe de bestas", ofendendo os clérigos. Fez numa roda uma observação maliciosa a respeito do Vice-rei Afonso Mendonça Furtado: "Nunca vi um Mendonça que não tenha Furtado".

**************
Ao fim de sua vida se arrependeu e procurou Deus:
Meus Deus, que estais presente num madeiro.
Em cuja fé protesto de viver.
Em cuja santa lei hei de morrer,
amoroso, constante, firme, inteiro.
***************
Neste transe, por ser o derradeiro,
pois vejo a minha vida anoitecer,
é, meu Jesus, a hora de se ver
a brandura de um pai, manso Cordeiro.
***************
Mui grande é o vosso amor e o meu delito.
Porém, pode ter fim todo pecar,
mas não o vosso amor, que é infinito.
***************
Essa razão me obriga a confiar,
que por mais que pequei, nesse conflito,
espero em vosso amor de me salvar.

***************
Bibliografia:
- Curso de Literatura Brasileira - Ébion de Lima
Editora Coleção F.T.D Ltda.
- Gregório de Matos - Antologia - L&PM Pocket.

***************


Nenhum comentário:

Postar um comentário