Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



domingo, 30 de maio de 2010

Igrejas e localidades da Grande Florianópolis.


A ilha de Santa Catarina era rota obrigatória dos navegadores que se dirigiam ao sul do Atlântico a partir do século XVI. Por volta de 1675, Francisco Dias Velho funda a vila de Nossa Senhora do Desterro e, em meados do século XVIII, o povoado recebe um contingente de casais provindos das ilhas dos Açores. No século XIX, Desterro foi elevada à categoria de cidade, tornando-se capital da província de Santa Catarina em 1823. A Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, localizada no coração do centro histórico da capital, pertence à Ordem Franciscana, a mais antiga das confrarias que se instalaram na ilha. Quando da instalação da Ordem, no ano de 1745, ocupou uma capela na igreja de Nossa Senhora do Desterro, atual catedral metropolitana, por setenta anos. Em 1815 as obras da igreja São Francisco foram concluídas.
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O distrito de São João do Rio Vermelho teve origem a partir da freguesia de mesmo nome, criada pela resolução régia de 11 de agosto de 1831. No entanto a ocupação, pelos colonizadores portugueses, ocorreu no início do século XVIII. Por possuir terras férteis a lavoura de mandioca e amendoim da localidade ganhou expressão, fornecendo durante muito tempo matéria prima para os numerosos engenhos da região. A capela de São João Batista foi construída por volta de 1838. Em 1842 a igreja ameaçava ruir e em 1852 foi atingida por um raio, o que obrigou a sua reconstrução geral. Já a torre sineira atual foi construída no século XX.
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A origem da localidade data do século XVIII. Enseada de Brito foi povoada inicialmente por paulistas e portugueses procedentes de São Vicente, São Paulo. Foi fundada oficialmente em 13 de maio de 1750, quando para lá imigraram cerca de quinhentos açorianos oriundos de sete das nove ilhas do Arquipélago dos Açores, em Portugal.
Atualmente o distrito faz parte do município de Palhoça. A conformação do núcleo ainda se mantém como foi concebido, com um grande quadrilátero como praça, contornado por casas térreas e a igreja de Nossa Senhora do Rosário, na cabeceira oeste da praça.
A igreja é uma das mais antigas de Santa Catarina. Foi construída em 1750, antes mesmo da chegada dos ilhéus. As quatro palmeiras plantadas à sua frente serviam de orientação para os navegadores que ali passavam. A origem do nome provém do navegador paulista Domingos de Brito Peixoto.
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O municípo de São José originou-se de uma póvoa fundada a 19 de março de 1750 com o nome de São José da Terra Firme e foi povoado por 150 casais de açorianos provenientes das ilhas Graciosa, São Miguel e São Jorge (dos Açores). Passou à categoria de freguesia em 1756, de vila em 1833 e de cidade em 1856. Em suas terras foi implantada, em 1829, a primeira colônia alemã do Estado, São Pedro de Alcântara. A paróquia de São José foi criada no mesmo ano de fundação de sua póvoa e uma pequena igreja foi construída pelos primeiros habitantes. Apesar de sucessivas reconstruções de parte do templo, a capela-mor foi mantida e as feições atuais da igreja são as mesmas constantes do projeto original.

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Transcrito do libreto Arte Sacra - patrimônio Catarinense.

sábado, 29 de maio de 2010

A sombra de Moscou sobre a Espanha.

Francisco Franco e a única filha Carmen em 1943.

Cheka, NKVD, KGB: os meus caros leitores já ouviram estas siglas? Talvez conheçam melhor a última, porque ainda existe. Nada mais são do que siglas que denominavam ao longo do tempo a polícia política da finada União Soviética, encarregada do cumprimento da doutrina comunista e das execuções decorrentes.

Félix Dzerhinsky, Nicolai Yezhov, Lavrenti Beria e outros menos conhecidos, foram os chefes desta polícia, a verdadeira alma do regime. Todos eles foram executados, quando não se fizeram mais importantes ou quando por algum motivo os ditadores chefes começavam a desconfiar deles. Por que se conhece tanto sobre Hitler, a sua Gestapo, Goebels, Himler, Göring, Ribbentrop, Speer, Heischman e pouco ou nada se conhece sobre os carrascos comunistas?

Sabemos que Hollywood investiu maciçamente em filmes sobre os nazistas, mas o que se sabe sobre o terror congênere soviético?

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Tudo ficou envolvido numa cortina de ferro e de silêncio que somente se desmascarou a partir da década de noventa, quando Gorbachev demonstrou que os soviéticos tinham os pés de barro. A literatura desses horrores comunistas é pródiga na Europa, especialmente nos países que deles se libertaram. Mas aqui no Brasil dificilmente se lê sobre isso. E os motivos são óbvios.

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Depois desse pequeno introito, falemos um pouco sobre a Guerra Civil Espanhola, vista de um ângulo que seguramente os senhores nunca tiveram a oportunidade de ler.
A sombra da NKVD sobre a Espanha:
Em 1936 a Espanha estava convulsionada. Uma esquerda dividida e mesclada, uma direita poderosa, uma extrema direita determinada (a Falange), efervescência urbana (greves) e rural (invasões de terras), um governo republicano fraco, violência e intrigas.

O PCUS (Partido Comunista da União Soviética) mobilizou-se para auxiliar a esquerda. A guerra civil tornava-se inevitável, pois os militares espanhóis eram ferrenhamente anticomunistas, a Igreja Católica muito forte na Espanha e naquela época contrária também aos vermelhos. Tanto que esses, na guerra, se cansaram de matar padres e freiras.

Em 17 de Julho de 1936, militares espanhóis no Marrocos, comandados pelo general nacionalista e católico Francisco Franco, revoltaram-se contra o governo republicano de Largo Caballero, que não conseguia por ordem no país. Este renunciou em 1937 e assumiu um socialista moderado, Juan Negrin, que não teve como evitar a vitória dos franquistas, levada a cabo em 1939 com a tomada de Madri.
Nas eleições espanholas de 1936 a esquerda tinha saído vitoriosa com diminuta margem de votos. A influência dos comunistas crescia e, por extensão, do PCUS. O embaixador soviético na Espanha, Marcel Rosenberg, exercia notória influência no governo, com participação ativa no conselho de ministros, o que desgostava os militares. O partido comunista espanhol seguia a linha de Moscou sem hesitação. Os soviéticos definem, então, para a Espanha, a possibilidade de uma hegemonia comunista, graças a uma frente única de partidos socialistas, operários e comunistas e a transformação deste último num partido de "massas", que tenderá a absorver os outros.

Em Junho de 1937 Dolores Ibarruri, comunista espanhola conhecida como "La Pasionaria", faz apelos à resistência contra o movimento dos militares. A URSS se empenha em fornecer armas para o governo republicano espanhol. Stalin convocou para a Espanha um forte contingente de quadros. Chegaram setecentos a oitocentos conselheiros militares, e que logo passariam de dois mil, dentre eles os generais Koniev, Jukov e Goriev. Comunistas (pretensamente idealistas) de diversos países fizeram peregrinação para a Espanha, a fim de auxiliar o governo. O argentino Vitorio Codovilla, o húngaro Erno Gero, o búlgaro Minev Stepanov, todos detinham funções de direção no PC espanhol.

Antonov Ovseenko, Alexandre Orlov, Arthur Stochevsky, o general Yan Berzine, Mikhail Kotsov, Leonid Eitingon, Pavel Sudoplatov e muitos outros foram enviados à Espanha por Stalin diretamente de Moscou para chefiar as ações terroristas, como explosões de pontes, quartéis e outros alvos estratégicos, além de atentados contra comandantes inimigos. (Os comunistas de um certo país tropical, anos depois, tentariam imitá-los).

A União Soviética fornecia armas, exigindo o pagamento em ouro. Reservas de ouro do Banco da Espanha foram transferidas clandestinamente para Moscou.

Nesta guerra, os militantes comunistas voltaram-se contra alguns partidos de esquerda que não os apoiavam nesta cruzada espano-soviética, como o POUM, partido operario de unificação marxista, e outros movimentos anarquistas que, se eram contrários a Franco, não queriam também os soviéticos na Espanha.

Confrontos em Barcelona entre anarquistas e comunistas resultaram na morte de aproximadamente quinhentas pessoas. Enquanto a esquerda não se entendia e brigava entre si, a direita permanecia unida. Os nazistas de Hitler auxiliaram os militares espanhóis bombardeando Guernica, episódio já relatado neste blog, para contrabalançar a ajuda soviética. Os planos do PCUS para a Espanha estavam derrotados, apesar do apoio de comunistas e seus partidos em diversos países.

Na segunda guerra mundial o General Francisco Franco, detentor do poder espanhol, decidiu que a Espanha permaneceria neutra, o que os alemães consideraram uma traição.

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1939 - O general Francisco Franco torna-se o ditador espanhol. Os partidos comunistas, anarquistas e socialistas estavam proscritos. Franco governou a Espanha por mais de trinta anos, durante os quais, com o apoio dos Estados Unidos, o país se desenvolveu de maneira assombrosa e se tornou próspero, deixando de ser uma nação rural e passando a ser um país cosmopolita.

Em 1969 Franco restaura o trono espanhol, que os republicanos em 1931 tinham derrubado com o exílio do rei Alfonso XIII, indicando o príncipe Juan Carlos de Bourbon, da antiga família real espanhola e neto do exilado, como o rei do país. A nação passava a ser uma monarquia parlamentarista, com primeiro ministro chefiando o governo.

Aos poucos a democracia voltou à Espanha, hoje com instituições democráticas sedimentadas.

O general Francisco Franco, que livrou a nação espanhola do câncer comunista, morreu em Madri ao oitenta e dois anos, em novembro de 1975.

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Fonte: O Livro Negro do Comunismo - Edição francesa dirigida por Stephane Courtois, pesquisador chefe do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França e diversos colaboradores especialistas em eurocomunismo.

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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Pílulas X - Millor e os militares.

Militares no poder só fizeram lambanças:
- duplicaram e implantaram as mais importantes rodovias brasileiras.
- construíram a ponte Rio-Niterói.
- criaram o Pro-álcool, como um projeto alternativo à gasolina.
- deram um impulso gigantesco à Petrobrás, que passou de 75.ooo barris/dia para 750.000.
- passaram o Brasil de economia quadrágesima quinta para a oitava do mundo. Hoje está pior.
- a taxa de desemprego era baixíssima.
- em 1971 o Brasil era o segundo maior construtor de navios do mundo. (Hoje o governo se gaba de ter feito um).
- segurança pública e tranquilidade dos cidadãos na rua (exceto os comunas).
- hidrelétricas gigantescas como Tucuruí, Ilha Solteira, Jupiá e Itaipú, que os opositores chamavam de obras faraônicas e hoje não atendem a demanda.
- metrôs de SP, RJ, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza.
- a maioria dos políticos era honesta.
- criaram o FGTS, PIS, PASEP, Mobral e Funrural.
- trouxeram a tevê em cores, tendo um militar do IME criado o sistema Pal-M.
- criaram a Embratel, Telebrás, Angras I e II, INPS, IAPAS, Dataprev, Fucabem.
- Seu maior crime foi impedir que brasileiros idealistas e muito bem intencionados implantassem aqui regimes maravilhosos como o cubano, cambojano, albanês e coreano do norte.

Militares no poder nunca mais, exceto os amestrados.

Para finalizar, todos esses militares não conseguiram ficar ricos em vinte anos, coisa que os socialistas já conseguiram em bem pouquinho tempo.

(De um texto de Millor Fernandes).


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Pílulas de OLAVO DE CARVALHO.

Durante vinte anos intelectuais e artistas disseram que a nossa cultura estava mal por causa da repressão. A liberdade, asseguravam, traria à tona o gênio espremido nas gavetas. Depois da ditadura, a produção cultural da década de liberdade que se seguiu foi, no fim, avaliada pelo crítico Wilson Coutinho, para citar um só, a mais estúpida da nossa história.

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O curso da Revolução depende menos do determinismo ideológico do que do arbítrio pessoal de uns quantos burgueses apóstatas, como se vê pelo fato de que nenhum sujeito de origem proletária liderou jamais uma revolução proletária. Que o nosso Partido dos Trabalhadores seja, portanto, composto menos de trabalhadores que de uma elite burguesa, não faz dele exceção nenhuma, e sim uma prova a mais da falácia da teoria marxista da ideologia.
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O uso e abuso da palavra "preconceito", tão disseminado hoje em dia pelos movimentos de minorias, é uma manipulação desonesta do vocabulário, que visa a criar justamente um preconceito, uma repulsa prévia e irrefletida a outras opiniões, de modo a fazê-las rejeitar sem exame.
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As condutas mais profundamente arraigadas no costume brasileiro são a sonegação de impostos, o nepotismo e a prática de influência.
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Os homossexuais protestam contra a hegemonia dos héteros, mas ela é justa. Os héteros falam em nome da espécie humana (que inclui os homos), e os homossexuais falam em nome dos desejos de um grupo.
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A profunda distorção da consciência ética que preside a ideologia homossexual revela-se, por exemplo, no seguinte: uma manifestação de lésbicas contra a Igreja Católica durante a visita de um papa é considerada a expressão normal de um direito democrático. Uma manifestação de católicos contra o lesbianismo seria considerada uma odiosa discriminação e poderia mesmo ser proibida por mandato judicial. O direito à expressão, mesmo agressiva, das preferências sexuais, prevalece sobre o direito à expressão de uma crença moral e religiosa. O desnível na escala de valores é evidente. A religião - qualquer religião - serve a finalidades que transcendem infinitamente o mero gosto pessoal. Ela é um valor universal e a condição sine qua non da subsistência das culturas. Colocá-la num mesmo plano com a homossexualidade já seria um absurdo. Atribuir-lhe, porém, um valor inferior ao da opção sexual é monstruoso. É o mais temível atentado contra a dignidade da inteligência humana que já se cometeu desde o advento das teorias racistas.
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É certamente a um dos cacoetes marxistas que se deve um dos traços mais grotescos e imorais da nossa classe artística. Refiro-me ao hábito de dar às suas remunerações milionárias, o ar de um protesto revolucionário de profunda significação social. Exemplo: Chico Buarque diz que se sente explorado ao receber cem mil reais para cantar dez minutos, se quem paga é uma multinacional. Ao fingir ser operário e militante que luta pelo aumento do salário mínimo, ele deve ser implacavelmente denunciado como farsante.
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Um dogma inscrito como cláusula pétrea na testa de nossa intelectualidade reza que o espírito é filho do dinheiro. Ele não sopra onde quer, mas onde o orçamento determina (Olavo contesta o hábito de classe intelectual de sempre exigir dinheiro do governo, sem o que não poderá haver cultura).
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Está ocorrendo no Brasil o esquematismo dualista que divide o mundo em mocinhos progressistas e bandidos conservadores. Essa é a base da cosmovisão da maioria dos intelectuais brasileiros.
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Cristopher Laasch afirma que o espírito de provincianismo arrogante e desprezador de valores milenares, que Ortega atribuíra às massas, passou a ser um traço característico das elites, especialmente as universitárias.
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As relações entre intelectualidade esquerdista e banditismo transformaram-se num descarado affaire amoroso, com A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) dando respaldo à promoção do livro Um contra mil, em que o quadrilheiro William Lima da Silva, o professor, líder do Comando Vermelho, faz a apologia do crime como reação legítima contra a sociedade injusta.
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quinta-feira, 27 de maio de 2010

As proezas de João Grilo e Zé Pitada.

Livrinho de cordel - O encontro de Cancão de Fogo com Pedro Malazarte.
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Já conversamos anteriormente sobre Literatura de Cordel, popular e eminentemente nordestina, que marcou muito a minha infância, pois meus tios compravam livrinhos semanais ou mensais, não lembro, que eu devorava com gosto. Não havia televisão naquela época. Ou se havia, era no eixo Rio/São Paulo e somente para ricos.
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Com os senhores duas histórias de cordel: a de João Grilo e a do Zé Pitada. Foram tiradas da coleção Literatura Comentada - Autores de Cordel - da Abril Educação, textos selecionados por Marlyse Meyer.
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JOÃO GRILO
Editor: João Martins de Athayde.
Autor: João Ferreira de Lima.

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No ano em que João nasceu
houve um eclipse da lua
e detonou um vulcão
que ainda continua.
Naquela noite correu
um lobisomem na rua.
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O pobre Grilo criou-se
pequeno, magro e sambudo,
as pernas tortas e finas,
a boca grande e beiçudo.
No sítio onde ele morava
dava notícia de tudo.
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Um dia a mãe de João Grilo
foi buscar água à tardinha.
Deixou o Grilo em casa,
que quando deu fé lá vinha
um padre pedindo água,
Coisa que ele não tinha.
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João disse: - Só tem garapa.
Disse o padre: Donde é?
João Grilo lhe respondeu:
- É do Engenho Catolé.
Disse o padre: Pois eu quero.
João lhe levou a coité.
(coité: cabaça, cuia)
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O padre tomou e disse:
- Oh, que garapa da boa!
João Grilo falou: - Quer mais?
O padre disse: - E a patroa
não brigará com você?
João falou: Tem canoa!
(Tem canoa: tem muita.)
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João trouxe outra coité
naquele mesmo momento.
Disse ao padre: - Beba mais,
não precisa acanhamento.
Na garapa tinha um rato
bem podre e bem fedorento.
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O padre gritou: - Menino,
tenha mais educação.
E por que não me disseste?
Oh natureza do cão!
O padre pegou a coité
e arrebentou-a no chão.
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João Grilo disse: - Danou-se.
misericórdia, São Bento!
Com isto a mamãe se dana,
me paga mil e quinhentos.
Essa coité, seu vigário
é da mamãe mijar dentro!
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O padre soltou um arroto,
disse para o sacristão:
- Este menino é o diabo
em figura de cristão.
Meteu o dedo na goela,
quase vomita o pulmão.
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O NAMORADO ZÉ PITADA
Autor: Leandro Gomes de Barros.

Zé Pitada era um rapaz
que em tempos idos havia.
Amava muito uma moça,
o pai dela não queria.
O desastre é um diabo
que persegue a simpatia.
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Pois João Mole, o pai dela,
era um velho perigoso,
mesmo que o Zé Pitada
dissesse ser corajoso.
Adiante o leitor verá
quem era o mais valoroso.
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Disse Pitada a Marocas:
- Eu preciso lhe falar.
Já tenho toda a certeza
que eu vou te raptar.
À noite espere por mim,
que havemos de contratar.
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Disse Marocas a Zezinho:
- Papai não é brincadeira.
Diz Zé Pitada: - Ora essa,
pois sou da mesma maneira.
Você pode ver-me as tripas,
porém não verá carreira.
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- Diga que hora hei de vir,
que dou conta do recado.
Inda seu pai sendo fogo,
por mim será apagado.
Eu juro por minha alma,
que seu pai morre assombrado.
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Disse Marocas: - Pois bem
eu espero e podes vir;
porém, encare a desgraça,
se acaso meu pai nos vir.
Meu pai é de ferro e fogo
e duro de resistir.
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Marocas desconfiada
e querendo experimentar,
olhou para Zé Pitada
fingindo querer chorar.
Disse: - Meu pai acordou
e nos ouviu conversar.
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-Valha-me Nossa Senhora,
respondeu ele gemendo.
- Que diabo eu faço agora?
E caiu no chão tremendo.
- Oh, minha Nossa Senhora,
a Vós eu me recomendo.
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Nisso um gato derrubou
uma lata na despensa.
Ele pensou que era o velho.
Gritou: - Oh, que dor imensa.
Parece que estou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.
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- A febre já me atacou.
Sinto frio horrivelmente,
com muita dor de cabeça,
uma enorme dor de dente.
Tá me dando erisipela.
Já sinto o corpo dormente.
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- Antes eu hoje estivesse
encerrado na cadeia,
do que morrer na desgraça
e de uma morte tão feia.
Veja se pode arrastar-me,
que minha calça está cheia.
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- Por alma de sua mãe,
pela sagrada paixão,
me arraste por uma perna
e me bote no portão.
A moça quis arrastá-lo,
não teve onde por a mão.
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Ela tirou-lhe a botina,
para ver se o arrastava,
mas era uma fedentina
que a moça não suportava.
Aquela matéria fina,
já todo o chão alagava.
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Disse a moça: - Quer um beijo,
para ver se tem melhora?
Ele, com cara de choro,
respondeu: - Não, não senhora.
Beijo não me salva a vida.
Eu só desejo ir-me embora.
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Então lhe disse Marocas:
- Desgraçado, em bem sabia
que um ente do teu calibre
não pode ter serventia.
Creio que foste nascido
no fundo da padaria.
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- Meu pai ainda não veio,
eu hoje estou bem sozinha.
Zé Pitada ali se ergueu
e disse: - Oh, minha santinha.
A moça meteu-lhe o pé
dizendo: - Vai-te, murrinha!
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Então a moça gritou:
- O senhor lave o quintal.
Veja esta tabica aqui!
Lave por bem ou por mal.
Covardia, para mim,
é crime descomunal.
(tabica: chicote)
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E lá se foi o rapaz
se arrastando com a lata.
A moça bem perto dele,
lhe ameaçando a chibata.
Ele exclamava chorando:
- Por Deus, você não me bata!
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- Vai, miserável de porta,
quero já limpo isso tudo.
Um homem da tua marca,
pequeno, feio e pançudo,
deve ter sido criado
onde se vende miúdo.
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Disse o Zé, quando saiu:
- Eu juro por Deus agora.
que mesmo sendo uma moça,
filha de Nossa Senhora,
e olhar pra mim eu digo:
- Desgraçada, vá embora!...

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quarta-feira, 26 de maio de 2010

Marcelino Pão e Vinho.

Um pouco de saudade e cinema.

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Espanha, época do General Francisco Franco. Doze frades em um convento recebem na sua porta uma criança abandonada. Tentam a ela dar uma família na aldeia próxima, mas não conseguem, ou não vislumbram alguém que possa criá-la com toda a segurança e carinho. Acabam se afeiçoando ao bebê e suas buscas por família adotiva começam a rarear, pois no fundo desejam que a criança fique no convento com eles.

O menino é chamado Marcelino e cresce feliz junto aos seus doze pais. Está com sete ou oito anos. Trata-os por nomes carinhosos, como frei Biscoito, o encarregado da comida e responsável mais direto por ele, frei Din-don, o sineiro, frei Doente, o frade mais idoso.

Acontecem algumas peripécias envolvendo o prefeito mau que deseja expulsar os frades e não gosta do menino. Um escorpião pica o garoto e Marcelino adoece, mas os frades, com toda a dedicação do mundo, conseguem recuperá-lo. O menino vai a uma feira na cidade com um dos frades e apronta uma solene confusão, ao tirar uma maçã de uma barraca de feira, derrubando quase todas. A dona da barraca corre irada atrás dele, os bois se espantam e acabam com o folguedo, quando ocorre a maior confusão. Marcelino é reponsabilizado e até os frades ficam amuados com ele.

No convento há uma escada velha de madeira que leva ao sótão, mas frei Biscoito não permite que Marcelino suba, apesar do menino desejar muito, mais curioso ficando com a negativa. Diz o frei que lá há um homem enorme que o levará para longe.

Ele tenta algumas vezes, mas é contido pelo frei.

Marcelino possui um amigo imaginário, que chama Manoel. Brinca e se diverte com ele a todo momento. Enche-se de coragem e, num momento em que o frei Biscoito não está próximo, sobe com o amigo até o sótão.

Lá existe uma enorme imagem de um homem cravado numa cruz. Marcelino sai a correr com medo.

Resolve, no entanto, voltar lá. Enche-se de coragem e começa a falar com o estranho. Vai outras vezes e passa a lhe levar comida, especialmente pão e vinho. Cristo desce do lenho e come com ele. Denomina-o Marcelino Pão e Vinho. Os frades começam a notar a falta de comida, pois Marcelino volta e meia assalta a cozinha para alimentar o Cristo. Chega a lhe levar um cobertor, para que não sinta tanto frio. Ele tira do homem a coroa de espinhos, não querendo que sofra.

Numa dessas ocasiões, Jesus desce da cruz e senta-se numa cadeira empoeirada para comer, à frente uma mesa velha de madeira. Pergunta a Marcelino o que ele mais desejaria como presente. Este lhe pede que permita ver a mãe, que nunca conheceu.

-Para isso terás que dormir, disse-lhe a imagem revivida.

Frei Biscoito, desconfiado com a ausência de Marcelino, vai até o sótão e vislumbra, comovido e em prantos, Jesus falando com o menino. Cristo volta ao madeiro e à sua forma de imagem, enquanto Marcelino permanece imóvel, sentado na cadeira, na mesa uma caneca de vinho e um pedaço de pão. Fora finalmente ao encontro da mãe.

Os frades colocam na igreja da aldeia a imagem do Cristo crucificado e Marcelino é ali sepultado. O milagre de Marcelino acontecera e todo ano os aldeões, incluído o arrependido prefeito, relembram o episódio subindo em procissão até o convento.


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Pablito Calvo, que fez o papel de Marcelino quanto tinha sete anos, chamava-se Pablo Calvo Hidalgo. Foi ator como criança e adolescente e depois abandonou o cinema para se tornar engenheiro industrial. Faleceu em Madri no ano 2000.

O filme, lançado em 1955 pelo cineasta húngaro Ladislao Vajda, foi um sucesso mundial até 1970, tendo recebido menção honrosa em Cannes. A história era de José Maria Sanchez Silva.

A avó do menino o levou para fazer um teste, sendo ele aprovado no meio de tantos outros. Pablito fez ainda mais sete filmes, como criança e adolescente, que não fizeram o sucesso do primeiro. Formou-se em Engenharia e passou a trabalhar neste ramo, deixando o cinema. Discreto, não era dado a contato com o público.

Passou à história do cinema mundial como Marcelino Pão e Vinho.


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O Boca maldita.


Gregório de Matos, um dos expoentes da literatura brasileira barroca do século XVII, foi uma figura controvertida em sua vida, como também nos seus versos. De família abastada, nasceu no ano de 1636 em Salvador, na Bahia, tendo na juventude ido para Portugal, formando-se em Cânones na Universidade de Coimbra. Voltando a Salvador, ocupou cargos na magistratura e no serviço público da Coroa portuguesa mas, de vida desregrada e de gênio difícil, não se mantinha neles. Entrando em desgraça com os poderosos do vice-reinado, foi degredado para Angola, voltando um anos depois para Recife, Pernambuco, onde morreu próximo dos sessenta anos.

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De poesia satírica e mesmo erótica, o que lhe rendeu inúmeros desafetos, ao fim da vida seus versos se transformaram em lirismo e arrependimento. Voltou-se para Deus, pedindo perdão pela vida nada correta que levara.


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Seus versos estão dispostos em diversas Antologias poéticas. Vejamos alguns excertos:



- A um certo frade que galanteava repetidamente uma moça, o que causava muito desconforto, mandou ela uma panela com excrementos. O poeta a defendeu:

Se vos mandara primeiro
o mijo num panelão,
não ficáreis vós então,
mui longe do mijadeiro.
Mas a frade malhadeiro
que não sente a sua perda,
seu descrédito ou desar,
que havia a Moça mandar,
senão merda com mais merda?
(desar: desgraça)

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SE os cagalhões são duros,
tão gordos, tão bem dispostos,
é porque hoje são postos
e ainda estão mal maduros.
Repartam-se nos monturos,
nas enxurradas dos tais,
é de crer que abrandem mais,
porque a Moça cristamente
não quer que quebreis um dente,
mas deseja que os comais.

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Uma senhora tinha o hábito da flatulência.
O poeta fez dela a sua musa:
Cota, o vosso arcabuz
parece ser encantado,
pois sempre está carregado
disparando tantos truz.
Ela, jamais sem parar
faz tão grande bateria,
que de noite nem de dia
pode tal c. descansar.

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Gregório fez corte insistente a uma moça. Ela cedeu, enfim, mas com a condição de primeiro se lavar e ele também. Gregório não deixou por menos:
A que se esfrega amiúdo,
se há de amiúdo lavar,
porque lavar e esfregar
quase a um tempo se faz tudo.
Se vós, por modo sisudo,
o quereis sempre lavado,
passai e tomai cuidado
de lavar o vosso cujo.
Por meu esfregão ser sujo
já me dou por agravado.

As damas que mais lavadas
costumam trazer as peças
e disso se prezam, essas
são as damas mais deslavadas.
Porque vivendo aplicadas
a lavar e mais lavar-se,
deviam desenganar-se
de que não se lavam bem,
porque mal se lava quem
se lava para sujar-se.
Lavar para me sujar,
isso é sujar em verdade.
Lavar para a sujidade,
fora melhor não lavar.
De que serve, pois andar,
lavando sem que me deis?
Lavai-vos quando o sujeis,
e porque vos fique o ensaio,
depois de meter lavai-o,
mas antes não o laveis.

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Gregório desejava muito uma certa dama de Salvador. Ela, esperta, acenou-lhe com alguma possibilidade, desde que o poeta lhe presenteasse com um craveiro, uma planta rara com haste ereta e uma flor vermelha na ponta. O poeta aproveitou:

O craveiro que quereis,
não vo-lo mando, senhora,
só porque não tem agora
o vaso que mereceis.
Por que se vós o quereis,
quando por vós eu me abraso,
digo em semelhante caso,
sem ser nisso interesseiro,
que vos darei o craveiro,
depois que me der o vaso.

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A uma dama que tinha uma corcunda:
Laura minha, o vosso amante,
não sabe, por mais que faz,
quando ides para trás
nem quando para diante.

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A uma mulher que cheirava mal:
Afirmo que a vossa quilha,
em chegando a dar a bomba,
se muito vos fede a tromba,
muito vos fede a cavilha.
A mim não me maravilha
que exaleis esses vapores,
porque se os cheiros melhores,
caçoula formam conjuntos,
de muitos fedores juntos
nasce o fedor dos fedores.
(caçoula: vaso com plantas odoríferas).

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Ao sair de Coimbra escreveu:
Adeus, Coimbra inimiga,
dos mais honrados madrasta,
que me vou para outras terras
onde viva mais à larga.
Adeus, prolixas escolas,
com reitor, meirinho e guarda,
lentes, bedéis, secretários,
que tudo somado é nada.
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Lamentava a sua situação já no Brasil:
Era eu em Portugal
sábio, discreto, entendido.
Poeta melhor que alguns,
douto como os meus vizinhos.
Querem-me aqui todos mal,
mas eu quero mal a todos.
Eles e eu, por vários modos,
nos pagamos tal por qual.

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Sua pena era pessimista:
Todos somos ruins, todos perversos.
Só nos distingue o vício e a virtude
de que uns são comensais, outros adversos.

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Passou a vida semeando maledicência e colhendo tempestades. E se reconhecia com talento para a sátira:
Noutras obras de talento
só eu sou o asneirão,
mas sendo sátira, então,
só eu tenho entendimento.

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Sua moral era bem eclética:
Oh, não aguardes que a madura idade
te converta essa flor, essa beleza,
em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada!

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Assim retratou o governador da Bahia, que tinha um nariz um tanto grande:
Nariz de embono
com tal sacada,
que entra na escada
duas horas primeiro que seu dono.

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Numa lide jurídica, Gregório defendeu um homem que tratara por Vós um juiz meio simplório. Como se chamava assim a El Rei, o juiz tomou o dito por um insulto e queria prendê-lo. Gregório defendeu o homem desse modo:
Se a Deus se trata Tu
e se chama El Rei de Vós,
como chamaremos nós
ao juiz de Iguaraçu?
Tu e vós e vós e tu...

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Irreverente ao extremo, chamou a Sé da Bahia de "presepe de bestas", ofendendo os clérigos. Fez numa roda uma observação maliciosa a respeito do Vice-rei Afonso Mendonça Furtado: "Nunca vi um Mendonça que não tenha Furtado".

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Ao fim de sua vida se arrependeu e procurou Deus:
Meus Deus, que estais presente num madeiro.
Em cuja fé protesto de viver.
Em cuja santa lei hei de morrer,
amoroso, constante, firme, inteiro.
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Neste transe, por ser o derradeiro,
pois vejo a minha vida anoitecer,
é, meu Jesus, a hora de se ver
a brandura de um pai, manso Cordeiro.
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Mui grande é o vosso amor e o meu delito.
Porém, pode ter fim todo pecar,
mas não o vosso amor, que é infinito.
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Essa razão me obriga a confiar,
que por mais que pequei, nesse conflito,
espero em vosso amor de me salvar.

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Bibliografia:
- Curso de Literatura Brasileira - Ébion de Lima
Editora Coleção F.T.D Ltda.
- Gregório de Matos - Antologia - L&PM Pocket.

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sexta-feira, 21 de maio de 2010

A voz do século que passou.



5 de Maio de 1935.


Como o soldado que embrenhado na solidão da matta, no silencio sepulchral da noite, vae cauteloso, render no quarto de vigilia, o sentinella perdido nos pontos mais avançados, assim o novo seculo escalado para render ao velho seculo de existencia gloriosa da Força Publica chegou, e já está no seu posto de guarda.


Alguem o teria percebido? Talvez...


Florianopolis ainda não tem vida nocturna. Á hora em que o novo seculo chegou, á mysteriosa hora vinte e quatro, a cidade inteira dormia, pois, raramente perambula pelas ruas nos dias communs, qualquer bohemio ou noctivago romantico enamorado pelo luar, ou transita um retardatario, despertando a aguçada curiosidade dos olhares investigadores dos policiaes das patrulhas.


Por isso, o seculo não precisaria ter grande cautela para não ser percebido.


Nas adjacencias do quartel, na praça que lhe fica fronteiriça, tudo era silencio. O sentinella das armas, postado no portão principal, erecto no seu posto, tinha, naquele ambiente de paz e silencio, algo de magestoso: dir-se-ia que era elle quem regia, impunha toda aquella quietitude aos seres, aquella serena paz na natureza.


De repente, ouviu-se um estálido forte, produzido por uma brusca pancada na bandoleira de um fuzil. O sentinella estava agora, mais erecto e firme ainda, de arma apresentada, em continencia a alguem que passava.


Mas, quem poderia estar passando por alli, aquella hora, na noite silente?


E o soldado lá estava firme no seu posto de guarda, arma apresentada, gesticulando, fallando com alguem, cujo vulto não era percebido.

Somnambulismo? Talvez sim; talvez não...

- Sentinella, quem passou por aqui, merecedor da continencia que acabas de prestar?

- Foi o seculo que passou...

- O seculo?...

- Sim, ele passou, e eu o percebi, mais realmente do que na imaginação do miliciano catharinense, orgulhoso e feliz pelo grato acontecimento que hoje commemoramos. O seculo apresentou-se-me na imagem de um ancião, de aspecto tão veneravel que a minha alma se commoveu, possuida do mais alto e sincero sentimento de respeito. Si eu fôra pisano, teria beijado soffregamente as mãos tremulas do ancião, como o fazia quando creança, mas, soldado que sou, sentinella no posto de guarda, não lhe pude exprimir de outra maneira todo o meu respeito, sinão apresentando-lhe armas.


- Sentinella, que te disse o ancião?


- O velho seculo descortinou, aos meus olhos deslumbrados, todo o passado glorioso de nossa Corporação; falou-me do patriotico sacrificio de nossos bravos soldados em beneficio do Estado e da Nação. Asseverou-me que uma corôa de viridentes louros engrinalda a fronte dos milicianos sacrificados no cumprimento dos seus deveres, e que os nomes desses bravos foram inscriptos em lettras de oiro nas paginas rutilantes do grande livro da Historia patria. Disse-me finalmente, da abnegação dos que mourejam com a nossa caserna, envergando a nobre farda do miliciano catharinense, e que representa fiel salvaguarda das leis e forte garantia da ordem, tudo fazendo pelo engrandecimento do Estado e felicidade do Brasil.


A cidade dorme. Os milicianos sempre a postos, velam por toda parte o somno confortador da nobre gente que trabalha pelo progresso do abençoado rincão catharinense.


O seculo passou, deixando-nos como legado uma tradicção de honra e civismo.


Sentinella! Sentido! O echo está repetindo a voz do seculo que passou.


Florianopolis, 6 de maio de 1935.


ILDEFONSO JUVENAL.

Segundo Tenente Pharmaceutico.

(Membro correspondente do Centro de Lettras do Paraná e da Academia Riograndense de Lettras).


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Esta magnífica mensagem do tenente Ildefonso Juvenal inicia o Livro comemorativo dos cem anos da Força Publica Catharinense, hoje Polícia Militar, quando era seu comandante geral o coronel Cantídio Quintino Régis.


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quinta-feira, 20 de maio de 2010

Poemas divertidos.


Hoje vamos discorrer sobre assuntos bem mais amenos. Bichos e poemas, poemas e bichos. Os senhores já devem ter ouvido falar de Esopo, um grego que teria vivido seis séculos antes de Cristo na Grécia, e que brindou o mundo da época com muitas fábulas envolvendo animais, sempre com algum ensinamento ao final delas. Elas nos foram passadas pela tradição oral, e escritas muitos séculos depois. Como exemplo, vou lhes relembrar uma delas, "O lobo e o cordeiro". A história é de Esopo, recontada por Fedro, escritor romano, em prosa e em Latim, e agora reescrita em verso lusitano pelo vosso humilde escriba.

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Eis que o lobo e o cordeiro, compelidos
pela sede chegaram a um riacho.
O lobo se postou bem mais acima
e o manso do cordeiro mais abaixo.
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O lobo, decidido a devorar
o cordeiro, que com medo bebia,
disse a ele: Por que tu sujas a água
que bebo com vontade neste dia?
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Como posso, se o rio corre pra baixo,
e tu estás acima, caro mano?
Mas sei, rosnou o lobo, me disseram
que tu me criticaste faz um ano.
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Mas como criticar te poderia,
se faz seis meses que ao mundo vim?
Não importa, quem sabe foi teu pai,
que ficou a falar bem mal de mim.
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E o lobo despedaça o cordeirinho.
Isto a nós só remete o que pensar.
Quem se põe muito perto ao poderoso,
pode um dia a morte encontrar.

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Um grande escritor italiano, ainda pouco conhecido entre nós, é considerado o Esopo do século vinte. Carlos Alberto Salustri, de apelido Trilussa, poeta de ironia forte e pena sarcástica, nasceu em Roma em 1871 e lá morreu em 1950. Seu livro mais famoso é o Livro Mudo, que compôs com cinquenta poemas, muitos deles criticando de forma alegórica o carrasco e tirano Benito Mussolini, que governou a Itália nos anos da Segunda Grande Guerra.
Conheçamos alguns desses poemas:

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O gato socialista.

Um gato que bancava o socialista,
com o fim de chegar a deputado,
estava a comer um frango assado
na cozinha de um capitalista.
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Outro gato, com lógica sectária
ao primeiro afirmou: - Estou contigo.
Pensa tu que eu também, querido amigo,
pertenço à mesma classe proletária.
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E bem sei que se nestas revoadas,
eu quiser esse frango que dispões,
o partirás já, já, em duas porções,
pois não somos, debalde, camaradas.
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- Isso não, disse o outro sem pudor,
eu não divido nada, ó meu artista.
Porque, se em jejum sou socialista,
comendo, sempre sou conservador.
(Criação de Trilussa - traduzido por Breno di Grado).

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Organizando o ministério

Quando à raposa, que tem tino sério,
foi dada a incumbência delicada
de compor com justeza um ministério,
naturalmente se pôs ela muito honrada.
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E os bichos empenhou-se a convocar;
porém o porco não mandou chamar,
pois disse, muito astuta, com fineza:
- Não convém, ele é sujo, sem limpeza.
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- Tens razão, disse o cão, que estava ao lado.
- Além de sujo, nojento e desastrado,
tem um outro defeito todavia,
pois se ele ao governo for levado,
ficará sempre com a maioria.
(Poema atualíssimo de Trilussa, traduzido por Breno di Grado. Na nossa Marmelândia está cada dia mais comum).

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Números

- Eu valho muito pouco, sou sincero,
dizia o UM ao ZERO.
- No entanto, quanto vales tu?
Na prática
és vazio e inconcludente
quanto na Matemática;
ao passo que eu, se me coloco à frente
de cinco zeros bem iguais a ti,
sabes acaso quanto fico?
Disse o Zero:
- Cem mil, nem mais nem menos.
Questão de números. Aliás é aquilo
que sucede com todo ditador,
que cresce em importância e em valor,
quantos mais são os zeros a segui-lo!
(Trilussa)

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O homem e o lobo

Um homem disse a um lobo:
- Se não fosses tão arrogante e prepotente,
ganharias a vida honestamente
e terias a minha proteção.
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- Prefiro a liberdade a ter patrão,
o lobo retrucou. - E mais, de resto,
se eu fosse bom e me tornasse honesto,
passarias a tratar-me como um cão.
(Trilussa)

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Conselhos de Júpiter.

Júpiter disse à ovelha: - São injustos
e odiosos e bem contra a lei,
os sucessivos e pavorosos sustos
que os lobos te afligem, eu bem sei.
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É melhor, entretanto, que suportes
com paciência os agravos. A questão
é que os lobos tão terríveis são
fortes demais para não ter razão.
(Trilussa)
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O cão e a focinheira.

- Sabes que sou fiel e afeiçoado,
dizia o cão ao homem, - e disposto
a tudo, mesmo ser sacrificado,
cumprindo as tuas ordens. Isto posto
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quero falar agora com franqueza:
a focinheira põe-me deprimido.
Por que não dá-la ao gato, que é fingido,
apático e traidor por natureza?
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Responde o homem: - Mas a focinheira
lembra sempre a existência de um patrão,
que te protege, e de qualquer maneira,
é quem te ampara e te garante o pão.
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- Se é assim, fica o dito por não dito,
corrige o cão. - Desculpa-me a besteira.
E desde então, com ar muito convicto,
passou a falar bem da focinheira.
(Trilussa)
***************
Gratidão
Almoçava o meu frango, o cão e o gato
comiam ao meu redor o resto
dos ossos que saíam do meu prato.
E patrão honesto,
vigiei sem preguiça
a distribuição
com toda justiça
e sem distinção.
**************
Mas uma vez vazio o prato eu,
vendo o gato sair, disse: - Que foi?...
Vai-se embora?.. - Decerto, respondeu,
pois o frango também já não se foi?...
***************
O contrário, porém, com o cão se deu,
que em alegria acesa,
me veio ao colo e minha mão lambeu.
Eu disse: - Bravo! Mostras à nobreza,
q'inda há no mundo alguma coisa sã.
E ele respondeu: - Sim, com certeza,
pois outro frango teremos amanhã.
(Trilussa - tradução de Paulo Duarte).

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E para terminar, caros leitores, li um outro texto de Trilussa em português, mas em prosa (Blog Notícias da Bota, de uma senhora chamada Cris). Os versos estavam escritos em italiano, não tendo eu conhecimento para traduzi-los. Aproveitei, no entanto, o texto em prosa, creio que da Cris, e o transformei em versos. A história, por certo, continua sendo de Trilussa.

A missa e o passarinho.

Começava uma missa bem cedinho,
os fiéis a rezarem de manhã.
Eis que entra na igreja um passarinho.
Uma moça o guarda no sutiã.
***************
E ali fica a piar o pobrezinho.
O padre escuta e repreende, então:
- Por favor, quem tiver passarinho,
saia da igreja sem preocupação.
***************
Todos os homens vão saindo e nisso,
o padre acode e até derruba o vinho.
- Por favor, vocês voltem, não foi isso
que eu quis dizer sobre o tal passarinho.
**************
- Vou me corrigir, mas sem fugir da raia,
e falo agora com muito carinho.
O que eu quero, irmãos, que agora saia
quem já pegou o pobre passarinho.
***************
Vão saindo as mulheres, pois, pudera,
enraivecidas, rosto em desalinho.
O coitado do padre desespera.
- Não foi isso que falei do passarinho.
***************
- Por favor, é quem viu o passarinho
e o pegou, sem ter medo, nesta igreja.
Eis que as freiras já saem com presteza,
só pensando em esfolar o padrezinho.
***************
- Ai meu Deus, me perdoem este rompante,
mas é chato o piar do passarinho.
Se apresente e saia de mansinho
quem pegou o bichinho neste instante.
***************
Sai a mocinha da capela ao lado,
toda vermelha como ninguém viu.
Cheia de raiva, grita ao namorado:
- Eu não falei que alguém nos descobriu?
************
A mulher do sutiã tira o bichinho.
Chora o padre a desgraça tão mortiça.
E assim foi-se embora o passarinho,
sem saber que acabou com a santa missa.
***************

domingo, 16 de maio de 2010

O Apocalipse.

João escreveu nos pergaminhos o que gravara nas pedras.

"Eu sou o Alfa e Omega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que vem, o Dominador". (Apoc 1, 8).

(Alfa e Omega - princípio e fim - primeira e última letras do alfabeto grego).
Palavra grega que significa Revelação, o Apocalipse foi escrito pelo discípulo João no final da sua vida. Talvez seja o livro da Bíblia de mais difícil compreensão. Para interpretá-lo é necessário levar em conta o gênero literário utilizado pelo autor, além da circunstância em que foi escrito.
É histórico que o primeiro século do Cristianismo foi uma época de perseguições repletas de sangue e martírio. A civilização romana tinha por meta acabar com os cristãos. Maior potência econômica e militar da época, esqueceu suas raízes republicanas e passou a ter imperadores que se julgavam deuses.

Neste século dominaram de forma totalitária os seguintes imperadores, ou césares:

Tibério - 14 a 37.
Calígula - 37 a 41.
Cláudio - 41 a 54.
Nero - 54 a 68.
Vespasiano - 69 a 79.
Tito - 79 a 81.
Domiciano - 91 a 96.
Nerva - 96 a98.
Destes todos, os mais terríveis e sanguinários com relação aos cristãos foram Nero e Domiciano. Este último, não logrando matar João, o discípulo, desterrou-o para a ilha de Patmos, que hoje pertence à Grécia, embora fique a cerca de 50 quilômetros das costas da Turquia.

Neste degredo, de acordo com a tradição cristã, João recebeu de Deus as revelações. Como não dispunha de pergaminhos, penas e tintas, gravou nas pedras da ilha o que vira e ouvira. Amigos cristãos lhe levaram de barco o material que precisava e na ilha ele iniciou sua obra. Com a morte de Domiciano retornou a Éfeso e difundiu o que escrevera.

Um anjo de Deus lhe apareceu na ilha e disse: "Contemplarás o que não foi revelado a nenhum ser humano. Perderás a noção do tempo e do espaço. Escreve o que vires e manda-o às sete igrejas em Éfeso, Esmirna, Pérgamo Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia. O clamor dos mártires se eleva aos céus pedindo justiça."

Muitos cristãos já estavam desesperançados com relação à sobrevivência da nova religião, que buscavam espalhar por todos os recantos. O livro é uma mensagem de conforto e um manifesto contra os perseguidores e seu paganismo.

Lutam o bem e o mal, mas Deus fará vencer o bem, mesmo que tal se realize com sofrimento e morte. João usa muitos simbolismos em seu texto, do mesmo modo que alguns livros do Antigo Testamento. O gênero literário é chamado Apocalíptico, com visões e revelações simbólicas. Não é a descrição antecipada de acontecimentos de hoje ou do futuro, como alguns sugerem. A linguagem é figurada e misteriosa para melhor prender a atenção do leitor.

Símbolos:
* Cristo - o Cordeiro.
* Mulher - (a esposa, ou a que deu à luz um menino). Pode ser a Igreja, a Jerusalém celeste ( a mãe mística) ou mesmo o céu. Alguns traços adaptam-se à Virgem Maria.
* Dragão - as forças hostis ao reino de Deus, a mesma serpente do Gênesis (Foi então precipitado o grande dragão, a primitiva serpente, chamado demônio e satanás, o sedutor do mundo inteiro).
* As duas feras - O Império Romano e o culto pagão.
* A fera (a Besta) - Simboliza os césares, talvez Nero, o perseguidor maior. O número 666 reflete um domínio falho, inferior ao sete, que é o número perfeito.
* Babilônia - A Roma pagã, ou a prostituta, ou a grande mãe da prostituição.
* Harmagedon - "Eles se reuniram em (num lugar chamado em hebraico) Har-magedon, monte onde perecem os reis. Região assentada aos pés das colinas do Carmelo. Reis e demônios se reuniriam neste lugar para a grande batalha contra o Deus poderoso, quando serão derrotados.
* Cristo é mostrado também como o Filho do Homem. O texto anuncia lutas, perseguições, fracassos e mortes no plano terrestre. Mas fala da realidade da salvação e da vitória final, com Cristo ressuscitado.
* Mil anos - amplidão vitoriosa do cristianismo, os últimos tempos.
* Três portas abertas para as regiões do mundo - é uma bela imagem da universalidade da Igreja.

Pontos em evidência:
1 - Mensagem às sete Igrejas da Ásia.
2 - Os quatro cavaleiros:
Branco (vencedor) Paz.
Vermelho (guerra).
Negro (a Balança, com que todos serão julgados).
Esverdeado ( a morte).
3 - Triunfo das testemunhas de Cristo.
4 - Castigo da Babilônia.
5 - Julgamento geral - cada um será julgado de acordo com suas obras.
6. A glória da Igreja eterna. Jerusalém celeste.

Não há no Apocalipse qualquer referência, como em qualquer livro da Bíblia, a uma possível data para o Juízo Final. O que conta na verdade é:
"Vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora" (Mt 24, 42-44).
"Não compete a nós conhecer os tempos que o Pai fixou com sua própria autoridade". (At 1,7).
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Algumas denominações religiosas afirmam ser o Papa a Besta do Apocalipse, numa referência deselegante e rasteira para com o Chefe da Igreja
Católica. Estudemos isso um pouco.
Afirmam estar escrito na Tiara papal, que hoje ele não mais usa, o seguinte: Vicarius Filii Dei , que em português significa "O vigário do Filho de Deus". Somando-se as letras deste título latino em algarismos romanos, ficaria:
V I C A R I U S F I L I I D E I.
5+ 1+100 + 1+5 1+50+1+1 500+1. = 666.
As letras A, R, S, E e F não têm valor numérico. A letra U tem o mesmo valor da letra V, portanto 5.
Este título, porém, não consta na Tiara, onde não há nenhuma inscrição. E o papa, ao longo dos séculos, tem sido chamado pelos cristãos de Vicarius Crhisti, não o que sugerem.
Poderíamos levar tais ilações mais adiante. A Besta poderia ser o próprio Cristo. Os números em hebraico do nome Jesus de Nazaré têm o mesmo valor 666.
Outro exemplo: A profetiza adventista Ellen Gould White. As letras de seu nome, que podem ser transformadas em algarismos romanos, dão o mesmo valor.
Dois eles (LL) = 50+ 50.
U = 5.
L = 50.
D = 500.
W (V+V) = 5+5=10.
I = 1.
A soma perfaz 666.

Obviamente, a Sra Ellen não foi nem é a besta do Apocalipse.
Uma interpretação possível é a do nome de Nero, ou Caesar Nero ( do grego NVRN RSQ). A soma dá o mesmo número.

No livro Apocalipse João descreve (17, 11):
A besta que existia e não existe mais, é ela própria o oitavo e também um dos sete, mas também caminha para a perdição.
João, com muita probabilidade, se refere a um dos imperadores romanos. O imperador que o mandou para a ilha em degredo foi Domiciano, o oitavo imperador daquele século, que morreu quando ele estava na ilha. Porém, não existe uma conclusão cabal para tal problema. Importa analisar o tempo, contexto e circunstância em que o livro foi escrito, procurando-se obter algum ensinanento.

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sábado, 15 de maio de 2010

Coronel Edmundo - expoente das letras.


Último dos seis filhos do casal Edmundo José de Bastos e Maria Clara de Andrade Bastos, Edmundo José de Bastos Júnior nasceu em Paranaguá, Paraná, no dia 29 de maio de 1933. Poucos anos depois a família transferiu-se para São Francisco do Sul e em seguida Joinville, onde o rapaz fez os cursos primário e ginasial.


Em 1950, por sugestão de seu pai, escrivão da Delegacia Regional de Polícia, o jovem fez os exames para admissão ao Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar catarinense. Classificado em primeiro lugar, ingressou na Corporação em 23 de Fevereiro daquele ano. Primeiro colocado no CFO, foi promovido a segundo tenente em 29 de novembro de 1952. Na cerimônia de formatura foi orador da turma.


Em 1954, quando servia na então Primeira Cia isolada de Joaçaba, conheceu a jovem Aurélia Nattir Grinke. Foi amor imediato, tendo o casal se unido em matrimônio em 18 de Dezembro daquele mesmo ano. Desse enlace vieram três filhos: Nadir Helena, professora, Edmundo José Neto, funcionário da Casan e Eliana Edi, odontóloga. Quatro netos completam a distinta família.


Durante a carreira, além das funções correspondentes aos diversos postos, exerceu os cargos de Delegado Especial de Polícia em Camboriú e Delegado Adjunto da Delegacia de Ordem Política e Social. Foi Chefe da Casa Militar dos governadores Celso Ramos e Ivo Silveira. Fez os Cursos de Aperfeiçoamento de Oficiais (1957) e de Controle de Distúrbios Civis (1963). Nos Estados Unidos frequentou cursos na Academia Internacional de Polícia (Washington) e no Fort Bragg (Carolina do Norte).


Alcançou o posto de coronel em 5 de junho de 1968, uma semana depois de ter completado trinta e cinco anos de idade. Pouco depois, a 10, foi transferido para a Reserva não Remunerada, por ter assumido o cargo de Juiz Auditor da Justiça Militar do Estado, para o qual fora aprovado. Foi, em toda a história da Corporação, o oficial mais moço a atingir o posto mais alto da carreira.


Bacharel e Mestre em Direito, foi professor de Direito Penal no Curso de Direito da Universidade Federal catarinense (UFSC), na Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina e na UNIVALI, Universidade do Vale do Itajaí. É autor do livro "Direito Penal em Exemplos Práticos - Parte Geral", com várias edições.


Nunca se afastou da sua Polícia Militar, em cujos cursos de formação e aperfeiçoamento de oficiais lecionou por mais de quarenta anos.


Pesquisador emérito da História da Corporação, publicou a respeito os seguintes livros:

- No tempo do Coronel Lopes... (FCC-1983).

- Polícia Militar de Santa Catarina - Um pouco de História e algumas histórias. (PMSC-1985).

- Coronel Lara Ribas - A carreira, o homem, o símbolo. (PMSC-1990).

- O milagre do Coronel Trogílio. (Garapuvu-1998).

- Diário de Campanha do Capitão Osmar Romão da Silva - Revolução de 1932 - Notas explicativas.(CBVOPMSC-1998).

- Polícia Militar de Santa Catarina - História e histórias. (Garapuvu-2005).


Recebeu em 1997 a medalha coronel Pedro Lopes Vieira, por relevantes serviços prestados à PM catarinense.


Um depoimento do Coronel Edmundo:

No final de 1949, de um oficial da Reserva da PM, a quem havia falado da minha intenção de ingressar no Curso de Formação de Oficiais da Corporação, ouvi o seguinte:

- Rapaz, na Polícia Militar a gente tem duas alegrias: uma no dia em que entra, a outra no dia em que sai.

Não tenho a mínima ideia do que poderia ter provocado no Oficial o ressentimento que manifestou de forma tão contundente. Além de sua bela carreira ele exercia, na época, um dos mais importantes e cobiçados cargos da estrutura policial do Estado, o de Delegado Regional de Polícia de Joinville.

Quanto a mim, das duas alegrias que ele mencionou, tive a primeira no dia 23 de fevereiro de 1950, uma quarta-feira de cinzas. Tive, ou melhor, tenho tido inúmeras outras desde então, mas, certamente, o dia em que deixasse a Corporação estaria muito longe de ser alegre.

A verdade é que jamais deixei a PM, porque a ela permaneço ligado de várias formas. Ali passei os melhores anos da minha vida, tenho os meus melhores amigos e guardo as mais caras lembranças.

Só por motivos relevantes deixo de comparecer às reuniões do grupo Elói Mendes, nas quais tenho ocasião de reviver as lembranças de um tempo muito feliz.

A PM é parte muito importante da minha vida.


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Creia, caro Coronel Edmundo, que fico muito honrado de ter sua relevante história de vida no meu blog. Meu professor de Inglês e Direito em diversos Cursos, só proporcionou a todos os seus alunos e companheiros, exemplos de magnífica retidão e muita proficiência no saber jurídico e policial militar.

Extremamente cavalheiro e cordial no trato, são sempre prazerosos o contato e a conversa com este destacado oficial, expoente maior da literatura miliciana.


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quinta-feira, 13 de maio de 2010

A EsFO - Escola de Formação de Oficiais.

Conjunto Cmt Petters, inaugurado em 1967. Dois alojamentos, duas salas- de-aula e secretaria.

Escola de Oficiais desfilando em Agosto de 1968 para o governador Ivo Silveira no Palácio do Governo, hoje museu Cruz e Souza. Sou o penúltimo da direita.

Março de 1967. Vinte e quatro jovens mais temerosos que coelhos, na faixa dos dezessete aos vinte anos, ingressaram no Centro de Instrução Policial Militar da Trindade, na ilha Floripa, para tentar a carreira de Oficial, aprovados que foram num concurso público até bem diferente dos de hoje. Se em todas essas histórias eu cometer algumas impropriedades, peço que meus amigos leitores que lá comigo conviveram me corrijam.

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Tudo iniciou numa manhã de segunda-feira e um mundaréu de gente. Prova de Português e seus derivados. Redação, gramática, textos. Acabada a prova, mandaram-nos voltar no outro dia. Os do interior podiam almoçar e ficar por ali. Oficiais, na maioria capitães e tenentes, tinham a tarde e a noite para corrigir todas aquelas provas. E assim foi. No outro dia de manhã, o mundaréu se dividiu em dois. Aprovados e reprovados. E lá vem a Matemática. Na outra manhã vão embora os reprovados e ficam os felizes para as Histórias daqui e do mundo. No outro dia as Geografias daqui e do mundo. No último, Organização Social e Política do Brasil, coisas que dizem hoje os petralhas ser da finada ditadura, embora façam tudo para que os mortos não descansem.

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Exame médico. O médico, Doutor Damerau, me achou meio franzino, amarelinho, mas julgou que a comida do rancho podia dar um jeito e me aprovou. Puxa vida, só tinha dezessete anos. Mais novo que eu só o Bitenco.

Exame físico. Lembro que o Lourival de Souza corria mais que todos.

Por fim o tal psicotécnico do Capitão Edson Correa e do Tenente Sílvio Venzon. Tínhamos inveja do Getúlio que, irmão do capitão, deveria por certo passar com louvores. E assim formamos uma turma de 24 novatos, ou bichos, que formariam o CP-CFO (Curso Preparatório para o Curso de Formação de Oficiais).

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Começamos a nos acostumar com o ambiente. O alojamento, que ficava onde passou a ser depois o rancho, foi substituído pelo prédio de dois pavimentos denominado Conjunto Comandante Petters. Em cima deste sobrado havia dois alojamentos. O da esquerda para o terceiro e segundo anos e o da direita para os do primeiro ano e os bichos do CP. Acho que os mais antigos do primeiro ano se alojavam no lado esquerdo, ficando conosco os mais modernos. A turma deles era bem grandinha.

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Era um tal de os veteranos pegarem de nós pastas de dentes, creme de barbear, bolachas, que logo logo aprendemos a ser espartanos. Os bichos mais riquinhos, que traziam de casa verdadeiros banquetes, como o Santiago, já sabiam que deveriam dividir tudo com os mais antigos.

Um dia o aluno Anton, do primeiro ano, me pegou de um lado e o Bitenco do outro. Éramos os mais levinhos. E ficou nos carregando pelo pátio com aquele sorriso meio abobado. Fazer o quê!...

Começávamos a dominar o ambiente. À noite, tínhamos sempre a obrigação de levar leite numa caneca metálica para os veteranos. Quanto cuspe foi colocado nas canecas no meio do caminho, tudo muito enrustido. No alojamento havia silêncio depois das dez da noite. Obviamente, os alunos do primeiro ano continuavam falando à vontade, mas não permitiam que falássemos. Tudo naquele estilo cafajeste do "faça o que eu digo, não faça o que eu faço". Por conseguinte, nós do CP ficávamos a ouvir quietos, rindo internamente, as besteiras dos mais antigos. Pior foi uma noite em que eles resolveram conversar sobre quem tinha o membro masculino maior, médio ou pequeno. Não vou nominar, mas foram classificados os tripés e os mirradinhos. Tudo no mais perfeito e exaustivo besteirol.

O Dalton tinha o costume, todas as manhãs, de pegar a minha pasta de dentes. Um dia, já de saco cheio, tive a pachorra de encher a pasta com creme de barbear. Ele a pegou e colocou na escova, muito lampeiro. Voltou em seguida do banheiro querendo me matar. Mas sempre foi meu amigo.

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O pessoal do último ano, que respeitávamos mais e nos infundia um certo medo, compunha uma turma muito boa. Hostins, Freitas, José Walter, Uriarte, Jabor, Speck, Lauro, e outros mais, e não nos davam muita bola. Jabor e Uriarte eram os que mais davam trotes. Os veteranos costumavam adotar um bicho para lhes servir com exclusividade. Eu tive a dita ou desdita de ser escolhido pelo Speck. Limpava seus sapatos e botas, levava o leite, limpava a fivela com Kaol, essas coisas bobas. Era gente boa, pois não dava trote que implicasse em desforço físico. Mas me determinava ficar abanando com um leque a sua distinta pessoa, enquanto se estarrava no beliche do alojamento e me pedia para cantar ou contar uma história. E ouvia tudo muito sério e atento. Haja paciência!....

Um outro aluno da turma de aspirantes de 1967 era o Almeida. Simplesmente terrível tirar serviço com ele, pois o homem se revelava mais do que fissurado em faxina. Passávamos o dia limpando tudo, só tendo as aulas como refúgio. Ele mandava passar Kaol nas torneiras.

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Hilário vinha de Pomerode com camisas para vender. O cara dava nó em pingo d'água quando se tratava de comércio. Davi Hasse, bom companheiro, detestava cavalos. O Rebelo era metido a "remendar" todo mundo. Daniel vendia na hora da janta uns pratos feitos que achávamos muito bons, pois morava ali do lado. Emerim vendia pastéis e bananas recheadas, que pagávamos no fim do mês. Fazia isso bem no recreio da metade da manhã, quando já estávamos vesgos de fome. Ou à tarde.

Aprendemos Ordem Unida com o tenente Gevaerd, naqueles fuzis grandões do ano 1908, que talvez tivessem sido usados na primeira guerra mundial. Tinham o número da gente estampado na coronha. De vez em quando, passávamos por uma revista, onde se verificava se estes fuzis estavam limpos e imaculadamente brilhantes. Nunca passei, ganhando sempre licença cassada nos fins de semana, quando ocorria a bendita da revista. O tenente Gevaerd nos ensinou também o famoso quincôncio.

O Enéas, quando chefe de turma e comandando a gente numa Ordem Unida (estávamos com os fuzis), passou por um oficial e mandou olhar à direita, ou coisa assim. Só que ele, com o fuzil em ombro-arma, lascou uma bela continência para o gajo com a mão direita. Parece ter ficado de LC.

Um certo dia uma casa no morro em frente pegou fogo. Algum oficial deve ter nos mandado pra lá, pois poderíamos ser bombeiros e ali estava uma bela oportunidade de praticar. O Davi Hasse, chefe de turma, nos colocou em forma, frente pro morro e gritou: Em direção ao fogo... Acelerado.... E se mandou correndo sem nos ordenar o "Marche". Ficamos imóveis e ele a correr sozinho. Quando deu por si, voltou-se e gritou qualquer coisa assim: Ué! Vocês não vêm?... E lá fomos nós. Não sei se o Hasse ficou de LC por causa disso.

Uma vez, o Rebelo e o Eyng pegaram um jeep e saíram a dirigir pelos cantos da cavalaria. O alemão foi dar uma ré e jogou o carro contra uma escora, fazendo quase cair um galpão, ou coisa assim. Coitado do Eyng! Parece ter pegado uma cana grossa. tanto que, só podia ficar no alojamento e quando ia comer no rancho, o fazia acompanhado do plantão. Elemento de alta periculosidade, o nosso querido Catatumba.

Celito Pedro Eyng, Moacir Antônio Abreu, Jair Wolf e o Ademir Ferreira, o mais calado da turma, já se foram para outra dimensão. Que Deus os tenha em seu regaço!


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Djalma Dimas Nascimento e Emanuel Bittencourt eram os meus amigos mais chegados. Como eram boas as tais festinhas americanas que aprontávamos, volta e meia, na casa do Coronel Deoclécio, pai do Djalma, lá no Estreito. Seu Deoclécio era um senhor boníssimo, calmo e paciente. Foi ali que o Djalma namorou a Margareth , irmã do Mendél (o Mendes, que depois foi para a Celesc). Ali também o Bitenco se enrabichou pela Verônica, a Gigliola daqueles tempos bons. Estão casados até hoje, com filhos e netos (acho que o Djalma ainda não adquiriu competência para ser avô).

Um dia, estávamos eu e o Bitenco no Estreito e compramos de meia um maço de Hollywood. Cada um, é claro, ficou com dez cigarros. Eu nunca tinha fumado e acho que ele também. Fumei os dez naquele dia e quase cheguei a vomitar, tão verde fiquei. Mas na época era o supra-sumo da macheza e modernidade. Não havia essa paranóia acachapante e esquizofrênica de hoje contra os pobres dos fumantes. Num domingo à noite, não me lembro se eu e o Djalma ou eu e o Bitenco, chegamos na Escola podres de bêbados. Acho que tomamos cubas além da conta em alguma festinha, pois vez por outra as moçoilas espevitadas nos passavam pra trás. A nossa sorte foi ter o aluno Nelson Coelho como aluno de dia. Ele nos mandou para o chuveiro e depois ao beliche e relevou a nossa burrada, não nos anotando.

O Djalma tinha uma mania. Se alguém dissesse pra ele: Duvido que faças tal coisa..., era carta branca pra ele fazer. Uma noite, nós já estávamos no último ano, ele se empoleirou sobre os armários no alojamento e me desafiou: Duvidas eu me jogar daqui na tua cama?
O meu beliche era o de cima. Calculei que ele, mesmo se jogando, não ia acontecer nada. Foi só dizer "duvido" e o danado se jogou com tudo. O estrado não aguentou e lá se foram os dois (madeira e Djalma) parar na cama de baixo. com colchão e tudo. Naquela noite, ele arrumou pregos, um martelo e consertou aqueles filetes de madeira que seguram o estrado. Quem tem, tem medo!...

Numa outra ocasião estávamos com os fuzis no alojamento, não sei o motivo. O danado do Djalma pegou o meu fuzil, o 62, botou a arma para fora da janela, no andar de cima, e me disse: Duvidas que eu jogue esse fuzil daqui? Duvidei na hora. Esse negócio de fuzil, na época, era coisa do outro mundo. Dava cana grossa qualquer coisa que se fizesse com o tal do material bélico da sacrossanta Fazenda Estadual. Pois não é que o extepor soltou o fuzil, que foi se estatelar na calçada com a coronha rachada? Tanto ele como eu ficamos brancos de medo. O que fazer?...
O fuzil rachou, mas não se "desmilinguiu". A madeira da coronha era forte e ficou somente uma fissura. Mas dava de ver à primeira examinada. Tivemos sorte, pois logo em seguida ocorreu uma manobra. Levei o fuzil assim e na volta, dei parte ao capitão Venício que o fuzil tinha rachado, pois eu levara um tombaço no mato, numas pedras, quando estava numa patrulha. Não poderiam dizer, pelo menos, que a coisa foi intencional. Pensei pegar uma cana mais branda por causa do "duvido" do Djalma, mas o Capitão aceitou as minhas explicações e, sei lá, mandou arrumar o fuzil ou dar baixa dele. Íamos nos formar aspirantes logo em seguida e talvez por isso ele tenha sido mais maneiro.

Anos mais tarde, todos já na Reserva, contamos o fato verdadeiro ao coronel Venício, que se cansou de rir.
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Foi um tempo bom, apesar dos pesares. Tempo em que alunos novinhos, deslumbrados com o poder, faziam bobagens pensando estar arrombando, como por exemplo anotar Deus e todo mundo por causa de coisas pequenas como uma mancha no sapato ou um botão fora da casa. Mas, quem nunca as fez? Depois nos formamos oficiais e passamos a não mais ligar para os sapatos nem para os botões.

Mas que dá saudades, lá isso dá.

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