Os elementos da narrativa lendária.
A narrativa lendária de Santa Catarina é apresentada na "Passio Ecaterinae Virginis", documento do qual temos uma cópia do século VIII, mas que alguns críticos pensam poder remontar ao século VI. Em todo caso, por meados do século VI, o imperador Justiniano ordenou a construção do mosteiro ao pé do Monte Sinai, mosteiro dedicado primeiro à Transfiguração do Senhor, mas depois, por causa da presença da mártir alexandrina, chamado "Mosteiro de Santa Catarina". Também, do século VIII data a mais antiga representação artística da Santa, encontrada em Roma, num oratório da antiga Basílica de São Lourenço, no Campo Verano. Do século X temos o martírio da Santa e grande mártir de Cristo Aikaterina, de Simeão Logotheta, cognominado Metrafastes, texto grego que teve grande divulgação no ocidente. Vejamos os elementos da narrativa:
a. O nome. É Catarina, com aférese da sílaba inicial do nome grego Aikaterina ou Aikaterine. Segundo alguns, a forma original seria Aei (sempre) Katharine (pura, de katharós), dando o significativo sentido de "sempre pura".
b. A situação social. Enquanto a informação de Eusébio fala daquela mulher anônima, ilustre, distinta por sua fortuna, nascimenro, educação, as narrativas lendárias fazem de Catarina a "filha de um rei pagão de nome Costos, de Chipre".
c. A cultura. Aqui também temos uma ampliação da notícia de Eusébio sobre a anônima cristã, "famosa por sua cultura". E a lenda faz de Catarina a vencedora de uma disputa filosófico-teológica com numeroso grupo de sábios, os quais por sua vez teriam depois morrido mártires de sua nova fé. Já mencionamos acima a figura histórica de Hipátia, a famosa filósofa alenxandrina, que era consultada pelos sábios do seu tempo, e que foi morta em circunstâncias trágicas no ano de 415, pouco mais de um século depois da Santa. A cultura atribuida a Catarina fez dela patrona dos estudantes e filósofos, patrona também da própria Universidade de Paris, que no dia de sua festa fazia solene peregrinação ao seu Santuário.
As núpcias místicas de Santa Catarina, por Andrea Previtalli, 1504.
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c. As núpcias místicas. O relato da Passio dá a razão por que Catarina resistiu firmemente às investidas libidinosas de Maximino, estas mencionadas por Eusébio. Chega-se até a mencionar o lugar da conversão de Catarina, que teria ocorrido em Belém, onde a Santa teria recebido do próprio Cristo menino, em núpcias místicas, o anel de noivado com Ele. O fato é que, decorrente da lenda ou não, a igreja paroquial de Belém, junto à basílica da Natividade, é dedicada à Santa.
e. O encarceramento. Como nova ampliação das sóbrias notícias do historiador, a lenda fala da conversão e sucessivo martírio da própria imperatriz, mulher de Maximino, que teria vindo visitar Catarina no cárcere, convertendo-se depois também os próprios soldados que, em grande número, a vigiavam.
f. A roda. O historiador Eusébio menciona a variedade tenebrosa dos suplícios infligidos aos cristãos perseguidos. Quanto à roda armada de unhas ou dentes de ferro, para dilacerar o corp da mártir, trata-se de mais um desses instrumentos de tortura que a crueldade humana tem inventado, e que infelizmente os cárceres da Inquisição conheceram. O fato éque a roda, despedaçada por intervenção divina, tornou-se o motivo iconográfico mais peculiar da nossa Santa, normalmente representada com ela.
g. A decapitação. É sempre o suplício resolutivo, o momento final da execução, após os prodígios lendários que tenham tornado ineficazes s outros meios. No caso de Santa Catarina, ainda nesse momento um prodígio: do pescoço cortado fluiu leite, em vez de sangue, o que a tornou padroeira também das mães que têm dificuldade de amamentar seus bebês.
h. O transporte do corpo ao Sinai. A transladação das relíquias de Santos tem ocorrido mais vezes. É o caso de Santa Cecília, originalmente sepultada nas catacumbas de São Calixto, na Via Ápia, em Roma, e transladada no século VIII para dentro dos muros da cidade, para sua basílica no bairro Trastêvere. No caso de Santa Catarina, os "anjos" que transportaram o seu corpo até o Sinai terão sido os próprios monges, embora o paradeiro inicial das relíquias, no topo do monte Gebel Katarin, a 2.500 metros de altitude tenha até justificado a ideia do transporte angélico. O fato é que as relíquias, depois de certo tempo, encontraram seu lugar definitivo na basílica justiniana do mosteiro, desde então chamado de "Santa Catarina".
i. Relíquias e milagres. Sabe-se como a Idade Média foi um período de grande veneração das relíquias dos Santos, com detalhes que hoje consideramos exagerados. No caso de Santa Catarina, o grande centro de irradiação do seu culto na Europa foi a Abadia beneditina de La Trinité-au-Mont, perto de Rouen, na França, no início do século XI. Para ali foram levados três dedos da Santa e algumas ampolas de óleo bento, trazidas do seu túmulo no monte Sinai. A presença das relíquias despertou tal entusiasmo e devoção popular, que os milagres, segundo os cronistas da época, se multiplicaram.
j. Patrocínio. Os vários detalhes da narrativa lendária da Santa motivaram os que a escolheram como Patrona: os estudantes e os filósofos, por causa da sua disputa com os sábios de Alexandria; as moças e noivas, por causa das suas núpcias místicas; as jovens mães amamentando seus bebês, por causa do leite que manou do seu pescoço degolado; os carreteiros e os torneiros, po causa da roda do seu martírio, etc. Fala-se em trinta categorias de pessoas que recorriam ao seu patrocínio. O fato é que também muitas mulheres se ufanaram de ter o seu nome, várias delas canonizadas: Santa Catarina de Siena, a grande santa italiana do século XIV; da mesma época, Santa Catarina da Suécia; no século XV, Santa Catarina de Gênova; no século XVI, Santa Catarina de Ricci, em Florença; no século XVII, a bem-aventurada Catarina Tekakwitha, entre os peles vermelhas do Canadá; no século XIX, Santa Catarina Labouré, de Paris, a Santa da Medalha Milagrosa. É sabido como, no começo do século XV, entre as santas que inspiraram a grande heroina francesa Joana D'Arc, que lhe apareciam e lhe falavam, encontra-se a nossa Santa.
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Padre Ney Brasil Pereira, autor deste estudo sobre Santa Catarina de Alexandria.
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Dados curiosos e históricos:
A ilha de Santa Catarina já foi chamada de Meiembipe pelo indígenas, como também ilha dos Patos. O navegador veneziano Sebastião Caboto (1476-1537), a serviço da Espanha, esteve por aqui em 1526 e deu à ilha o nome de Santa Catarina. Dizem uns autores ter sido em homenagem à esposa, de mesmo nome e devota da Santa. As duas explicações são plausíveis, tanto que existe o nome até hoje. Em homenagem a Caboto, a ciência náutica deu o nome de cabotagem à navegação que é feita costeando os litorais.
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