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sexta-feira, 3 de maio de 2013

D. MARIA I E A INCONFIDÊNCIA MINEIRA.

A benevolência da rainha Maria I na Inconfidência Mineira

Óleo sobre tela " Retrato de D. Maria I " (1808)
Autor: José Leandro de Carvalho
Imagem: museuhistoriconacional.com.br

Em 01 de novembro de 1755, Lisboa foi atingida por um forte terremoto, seguido de tsunami e incêndios que causaram grande destruição na cidade, incluindo o Palácio Real, onde viviam o rei D. José I e sua família. A Corte passou a viver temporariamente num grande complexo de tendas e barracas instaladas na região da Ajuda, na saída da cidade. Protegidos pela guarda, o rei vivia rodeado por sua família, nobres e equipe administrativa, liderada pelo primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal.
O primeiro-ministro era um homem severo, originário de família com pouco prestígio e tradição na Corte, com algum rancor com a velha nobreza, que o desprezava. Desavenças entre ele e os nobres eram frequentes e toleradas pelo rei, que confiava em Sebastião Melo por sua competência e liderança.
D. José I era casado com Mariana Vitória de Borbón, princesa espanhola, com quem tinha 4 filhas. Apesar de uma boa vida familiar, o rei tinha uma amante: Teresa Leonor, esposa de Luís Bernardo, herdeiro da família Távora. 
A marquesa Leonor de Távora e o seu marido Francisco de Assis, Conde de Alvor, eram as cabeças dos Távoras, uma das famílias mais poderosas e tradicionais do reino português. Eram também desafetos declarados do primeiro-ministro. A marquesa Leonor considerava-o um novo-rico sem a educação necessária para conduzir os negócios do reino. Ela era também uma devota católica, com fortes ligações aos jesuítas, tendo como confessor um deles, Gabriel Malagrida.
Na noite de 03 de setembro de 1758, o rei D. José I seguia anonimamente numa carruagem que percorria uma rua secundária nos arredores de Lisboa, regressando para as tendas da Ajuda após uma noite com a amante. Pelo caminho, a carruagem foi interceptada por três homens, que dispararam sobre os ocupantes. D. José I foi ferido no braço e quadril direitos e o condutor da carruagem, mesmo ferido gravemente, conseguiu conduzi-la à Ajuda.
O ministro Sebastião Melo, mantendo em segredo o ataque e os ferimentos do rei, tomou medidas rápidas e rigorosas. Poucos dias depois, dois homens foram presos e torturados, confessando a responsabilidade pelo atentado, afirmando ter ocorrido por ordens da família dos Távoras, que conspiravam para colocar no trono o Duque de Aveiro, José de Mascarenhas, ligado à família Távora, uma vez que o D. José I não possuía filhos. Ambos os presos foram enforcados no dia seguinte. Nas semanas que se seguem, com o andamento das investigações, a marquesa Leonor de Távora, seu marido, o Conde de Alvor, todos os seus filhos, filhas e netos foram presos.
Considerados conspiradores, o Duque de Aveiro e os genros dos Távoras, o Marquês de Alorna e o Conde de Atouguia foram presos com as suas famílias. O jesuíta Gabriel Malagrida, confessor de Leonor de Távora, também foi preso.
Todos foram acusados de alta traição. As provas apresentadas em tribunal eram simples: as confissões dos criminosos executados; a arma do crime pertencia ao Duque de Aveiro; e o fato de apenas os Távoras saberem dos afazeres do rei na noite do atentado, uma vez que ele regressava de uma ligação com Teresa de Távora, presa com os outros. Os Távoras negaram as acusações em interrogatórios sem meios de defesa (e com torturas em alguns casos), seguidos de um julgamento sumário que condenou à morte dezoito pessoas. A sentença ordenou a execução de todos os suspeitos, incluindo mulheres e crianças. As intervenções da rainha Mariana e da filha Maria Francisca (herdeira do trono e futura D. Maria I) salvaram as crianças e as mulheres, com exceção da marquesa Leonor, considerada, juntamente com seu marido e o jesuíta Gabriel Malagrida, os mentores do atentado.

Um patíbulo foi construído num descampado perto de Lisboa, próximo à Torre de Belém, nas margens do rio Tejo. Todos os condenados foram ali colocados em 13 de janeiro de 1759 e executados com a quebra de ossos das pernas e dos braços, seguidos por esmagamento do tórax. As execuções duraram do amanhecer até quase o final da tarde. O rei esteve presente, juntamente com a corte, obrigada a assistir, transtornada, ao evento. Os Távoras eram seus semelhantes e o rei desejava transmitir uma forte mensagem para que a nobreza não se rebelasse contra a autoridade real. Foram ali mortos D. Francisco de Assis de Távora e D. Leonor (marqueses "velhos" de Távora), José Maria de Távora e Luís Bernardo de Távora (filhos dos marqueses de Távora), D. José de Mascarenhas (Duque de Aveiro), D. Jerônimo de Ataíde (Conde de Atouguia), Manuel Álvares Ferreira (guarda-roupa do Duque de Aveiro), Brás José Romeiro (cabo da esquadra da companhia do Marquês de Távora), João Miguel (acompanhante do Duque de Aveiro), Antônio Alves Ferreira e José Policarpo de Azevedo (cunhado do Duque de Aveiro), este último queimado figurativamente em estátua de madeira, porque estava foragido. Além destes, a marquesa Leonor de Távora foi morta através de decapitação. Após executados, seus corpos foram queimados e as cinzas jogadas ao mar. 
Alguns dias depois a Companhia de Jesus foi declarada ilegal. Todas as suas propriedades foram confiscadas e os jesuítas expulsos do território português, na Europa e nas colônias. 
O jesuíta Gabriel Malagrida foi julgado por heresia pelo Santo Ofício de Lisboa, sendo condenado e executado com estrangulamento por garrote e depois queimado, em 21 de setembro de 1761, no Rossio, principal praça de Lisboa.
A família Alorna e as filhas do Duque de Aveiro tiveram suas penas de morte transformadas em prisão perpétua em mosteiros e conventos. Os bens das famílias envolvidas foram confiscados pela Coroa, os brasões familiares foram proibidos e seus nomes apagados da nobreza. O título de Duque de Aveiro foi extinto, as armas da família Távora foram picadas e seu nome foi proibido de ser citado. O palácio do Duque de Aveiro, em Lisboa, foi demolido e o terreno salgado, simbolicamente, para que nunca mais nada ali crescesse. No local, hoje chamado Beco do Chão Salgado, ainda existe o marco alusivo ao acontecimento mandado erguer pelo rei D. José I.

Culpados ou não, as execuções dos Távoras impressionaram profundamente a nobreza de Portugal. A futura rainha Dona Maria I foi muito afetada pelos eventos. Conhecida por sua extrema devoção religiosa, nunca se convenceu da culpa dos executados e lhe desagradou a extinção dos jesuítas, que tinham como função principal converter pessoas à fé cristã pelo mundo afora. Quando assumiu o poder em 24 de março de 1777, após a morte de seu pai, demitiu o Marquês de Pombal e expulsou-o de Lisboa, emitindo um decreto proibindo sua presença a uma distância inferior a 20 milhas da capital e de qualquer lugar para onde se dirigisse a rainha.
A sanidade mental de D. Maria I deteriorou gradativamente e em 10 de fevereiro de 1792 foi obrigada a aceitar que o filho e herdeiro João (futuro D. João VI) tomasse conta dos assuntos de Estado. Entre outros devaneios, era obcecada com as penas eternas que imaginava seu pai sofrer no Inferno, vendo-o como "um monte de carvão calcinado” por permitir que o Marquês de Pombal matasse pessoas que ela conhecia e considerava inocentes no Processo dos Távoras, além de perseguir os jesuítas, impedindo a conversão de novas almas ao catolicismo.

Os motivos da bondade de D. Maria I na Conjuração Mineira

Antes da interdição, porém, D. Maria I teve grande influência no resultado das condenações decididas durante a Conjuração Mineira. Temendo sofrer no Inferno como seu pai, desejava salvar o máximo possível de almas e impedir nova violência contra padres. Por estes motivos, enviou a carta régia, assinada em 15 de outubro de 1790, que determinava o abrandamento das penas dos conspiradores de Minas Gerais que se declarassem arrependidos e que qualquer decisão envolvendo clérigos deveria ser mantida em segredo e, antes de executada, passaria por seu conhecimento e consentimento.
Pela autorização de clemência enviada por carta real, os juízes converteram 11 condenações a enforcamento em exílio na África, pois todos se declararam arrependidos da participação na conspiração. Somente Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), que se declarou líder do movimento, foi enforcado e esquartejado em 21 de abril de 1792, para servir de exemplo aos conspiradores em Minas Gerais e no Rio de Janeiro sobre o destino dos que desafiavam a autoridade da Coroa Portuguesa. 
Por influência da rainha D. Maria I, os três padres condenados à morte e os dois padres condenados ao degredo perpétuo na África tiveram suas sigilosas sentenças modificadas pelo então príncipe-regente D. João para exílio perpétuo em conventos e mosteiros em Portugal.

Terremoto, incêndios e tsunami em Lisboa (1755)
Imagem: tempisque13.wordpress.com

As ruínas de Lisboa (1755)
Imagem: pt.wikipedia.org

Quebra dos ossos dos braços e pernas de José Maria de Távora (filho dos marqueses de Távora)
Imagem: purl.pt

Esmagamento do tórax do Marquês de Távora
Imagem: commons.wikimedia.org

Decapitação da Marquesa de Távora
Imagem: geocaching.com

Queima dos corpos no Processo dos Távoras
Imagem: geocaching.com
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Remetido pelo amigo historiador Sylvio Bazote, das Minas Gerais

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