Foram nos chamando um a um até o balcão que nos separava dos guardas, onde se faria o inventário dos nossos pertences, do pouco que trazíamos: algumas latas de conserva, remédios, pasta dental, sabonete, roupa de baixo. E começou o saque. Tiraram-nos tudo o que tinha valor ou que os agradava. Meu relógio chamou a atenção do tenente Paneque, que quase destroncou meu pulso ao arrancá-lo. Eram abutres repartindo o botim. Com descaramento sem limites, discutiam pela posse de um par de meias, aparelho de barbear, uma caneta. Eu tinha um crucifixo, presente de um amigo. Paneque arrancou-o com fúria do meu pescoço, atirou-o ao chão, pisotearam-no. A cruz em pedações ficou no chão. De repente, do outro lado soaram risadas, exclamações indignadas e o preso que protestava atacou a socos um guarda. Vários outros caíram em cima dele. O preso se debatia, mordia, arranhava, até que as pancadas o fizeram cair ao chão, a cabeça quebrada e o rosto empapado pelo sangue que lhe saía pelo nariz. Ao começar o tumulto, os demais guardas que nos rodeavam retrocederam imediatamente, manipulando fuzis e metralhadoras, ameaçando-nos com nervosismo. Estavam temerosos de homens desarmados e nus. Senti que crescia diante daquela turba que mal podia segurar as armas, tanto lhes tremiam as mãos.
Imediatamente levaram embora o infeliz que havia atacado o guarda. Depois soubemos que este guarda, ao virar as coisas do preso sobre o banco, durante a revista, pegara uma foto da mãe dele. Insolente, com a foto na mão, perguntou ao preso em que prostíbulo aquela mulher trabalhava. Cego de ira, com lágrimas de fúria nos olhos, o preso saltou sobre o ofensor. Aquela mãe não podia imaginar que o filho estava quase morto por querer defendê-la. Senti uma profunda admiração por aquele homem e pensei nas mães que nunca mais veriam seus filhos. Pensei nas mães dos fuzilados e prometi ser digno dos meus entes queridos, que sofriam por mim.
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Aquela porta abria-se para um mundo alienante do qual muitos que ali estavam entrando não sairiam. Passamos pelos edifícios 5 e 6, enormes, de cinco andares de altura e forma retangular. No centro de tudo um refeitório circular que podia abrigar cinco mil presos ao mesmo tempo.
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Daqueles homens, o que podia ter mais tempo de prisão não passava de dois anos. Um arrepio me percorreu a espinha. Eu não resistiria a vinte. Mas fiquei vinte e dois.
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Por fim, abriram a grade de entrada, depois de nos contar várias vezes. Eu iria cumprir, se vivesse, vinte anos e não sabia ainda que crime tinha cometido, a não ser o que tinham determinado para mim. Aquilo tudo parecia um circo romano. Todos falando e gritando ao mesmo tempo. Boitel, Carrion e eu contemplávamos a cena atordoados, aquele mundo absurdo onde tudo tinha uma dimensão diferente.
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Mais tarde Armando Valladares, católico, repudiou por escrito carta de Dom Paulo Evaristo Arns a Fidel, em que o prelado brasileiro afirmava ser a revolução cubana o sinal do reino dos céus.
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