Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



sábado, 21 de agosto de 2010

Orlando furioso.

Orlando Furioso é um poema-romance de Ludovico Ariosto, italiano nascido em Reggio Emilia no ano de 1474. Morreu em Ferrara com 60 anos. A obra é uma das mais comentadas da época renascentista na Europa. Na gravura acima, o herói Astolfo vai até a lua no Hipogrifo, cavalo alado com cara de ave, para recuperar o juízo de Orlando, que ficara dentro de uma ampola.
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O poema cavaleiresco Orlando Furioso narra a guerra entre ocidente e oriente, entre os europeus e os sarracenos, entre cristianismo e paganismo. Aventura fantasiosa com amor e ódio, sabedoria e imprudência, tragédia e comédia. A primeira edição do poema foi publicada em Veneza em 1516, à custa e em homenagem ao cardeal Hipólito, mecenas de Ariosto. Compreendia quarenta cantos ou oitavas.
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História:
Angélica, a bela filha de Galafrão, rei de Cataio, visita a França e chega à corte do rei Carlos Magno. Todos os cavaleiros por ela se apaixonam, inclusive os primos Reinaldo de Montaubam e Orlando da Bretanha. Carlos Magno, porém, entrega a jovem ao velho Namo, duque da Baviera, mas ela consegue fugir de seu castelo. Orlando corre atrás da amada. Ela se apaixona e casa com um jovem sarraceno de nome Medor, ferido por seus inimigos. Angélica o socorre e salva. Orlando, em busca da jovem, corre os campos e florestas.
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Um pastor confirma a Orlando que a sua bela estava casada com Medor, o sarraceno. Ele se enfurece e perde a razão. Uma ampola com seu juízo aparece na lua.
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Medor e Angélica passeiam. Orlando passa por eles, vê a amada com o outro e derruba os dois do cavalo num acesso de cólera. Angélica não o reconhece, pois Orlando estava com a barba grande e rosto macilento.
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Astolfo, primo de Orlando, um jovem que nunca mentiu, recebe a graça de cavalgar o Hipogrifo até o paraíso. Lá recebe a ajuda de São João Evangelista, indo ate a lua, local da ampola com o juízo do amigo.
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Enquanto isso, Orlando continua com seus acessos de fúria, quando chega a arrancar troncos de árvores.
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Na lua se encontravam todas as coisas perdidas na terra. Lá está a ampola com o juízo de Orlando.
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Orlando, num gesto de fúria, joga num abismo a sua fiel espada Durindana, que na sua origem pertencera ao herói Heitor, da guerra de Tróia.
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Astolfo, de posse da preciosa ampola, volta à terra e encontra Orlando numa praia. Com a ajuda de dois cavaleiros pega-o à força e imerge sua cabeça várias vezes na água, deixando-o quase sufocado. Leva o amigo e o joga na areia onde ele, tentando respirar, aspira seu juízo e recobra a razão. Refeito, vai viver a sua vida e tenta esquecer a amada Angélica, que nunca o quis e está casada.
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Na parte final do romance o herói Rinaldo defende o rei Carlos Magno e efetua luta mortal contra Rogério, o cavaleiro sarraceno, vencendo-o, apesar de ser seu amigo. Rogério casara secretamente com Bradamante, irmã de Rinaldo. Esta fora até a gruta do mago Merlin, sendo recebida pela maga Melissa, que lhe predisse que teria numerosa e gloriosa descendência.
O filho de Rogério e Bradamante, também chamado Rogério, vingará a morte do pai, combaterá na Itália e ganhará seu feudo.
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Rinaldo e Rogério lutam por Carlos Magno e pelo rei dos sarracenos. Rinaldo vence e confirma a vitória final de Carlos Magno.
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Síntese de documentário da Enciclopédia Trópico. As gravuras constam da Enciclopédia. Já procurei estes dez magníficos volumes na Internet ou em alguma editora (novos). Não há. Só existem números avulsos e usados para venda. É coleção que dá ênfase à literatura mundial em todos os tempos e a biografias de grandes artistas. História da Civilização, Histórias da Bíblia, enfim, documentários soberbos da área de ciências humanas e clássicas.
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A República Juliana em Santa Catarina.

Padre Cordeiro.
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O padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro, pároco da Enseada de Brito, foi o presidente da efêmera República Juliana instalada em Laguna, Santa Catarina, numa sequência da Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul. Todas essas insurgências foram desbaratadas pelo Império Brasileiro.
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Síntese do artigo do Major Ivenes Pacheco Rodrigues, da Enseada de Brito, que compõe o livro Cadernos Patrísticos, proposta para uma Patrologia local, com as personalidades da História da Igreja de Santa Catarina - Volume III número 5 de Maio de 2008 - Instituto Teológico de Santa Catarina.
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De acordo com estudo realizado pelo historiador Vilson Francisco de Farias, o padre Vicente nasceu na Vila de Paranaguá, Paraná, no mês de janeiro de 1782. Padre Cordeiro, como era conhecido por seus paroquianos, passou por São José da Terra Firme, freguesia limítrofe da capital Desterro (Florianópolis), em 1811. Em 1820 ainda estava lá como Vigário Coadjutor.
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No ano de 1826 se encontra na Enseada de Brito, freguesia a vinte quilômetros para o sul de São José, onde realiza um batizado no dia 15 de outubro desse ano, na condição de Vigário Encomendado. O Vigário Colado da Enseada era o padre Manoel de Mendonça Furtado, já bem idoso.
De 1820 a 1826 há uma lacuna na vida do padre Cordeiro. São seis anos em que dele pouco se sabe. Carísmatico e de ideais republicanos, viu-se despertar nele um líder político. Tinha fama de intelectual. Na época a extensa paróquia da Enseada tinha uma população estimada em três mil pessoas. Estendia-se de Garopaba a São José. Culto e formador de opiniões, não é difícil aquilatar o quanto ele tenha influemciado aquela gente simples. Mas encontrou no seu rebanho a oposição de monarquistas.
No ano de 1839 sua fama de revolucionário já se espalhou até o sul da província catarinense, em Laguna, reduto republicano prestes a ser invadido pelo farrapos gaúchos em luta contra a monarquia.
A 22 de julho de 1839 Laguna é ocupada pelos farrapos. Nascia a República Juliana. Vindo do Rio Grande do Sul para o norte, este movimento chegava até a província de Santa Catarina. Os revoltosos gaúchos decidiram que Laguna seria sede desta nova república, com um presidente e um vice. Foi escolhido presidente, por dezessete votos, o coronel Joaquim Xavier Neves, de São José. O segundo lugar na votação coube ao padre Cordeiro, seu tio, vigário da Enseada de Brito.
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Bandeira da República Juliana.********************
Em 1839 o padre Cordeiro estava na Enseada de Brito às voltas com seus afazeres pastorais e políticos. Com a vice-presidência rumou para Laguna. Seria preso e processado. Foi padre, presidente e prisioneiro, tudo em apenas três meses.
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Na Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul foi importante a participação da heroína Anita Garibaldi, moça lagunense que resolveu seguir o aventureiro italiano Giuseppe Garibaldi, lutando em batalhas aqui no Brasil e na Itália, quando das lutas pela unificação italiana. Os farrapos eram assim chamados porque seus integrantes menos graduados se vestiam, como diz o nome, de maneira quase miserável, em farrapos mesmo. Na tela, Garibaldi e Anita ferida fogem de San Marino em 1849. Quadro de pintor anônimo. Anita nasceu em Morrinhos, Laguna, em 1821 e faleceu na Itália em 1849. Foram 28 anos de vida aventurosa.********************
Convocado para assumir de imediato a vice-presidência da novel república, o padre Cordeiro se abala para Laguna, ludibriando as forças legalistas que estavam a postos no Morro dos Cavalos, na Enseada. Lá chegando vem a saber que seu sobrinho, eleito presidente, se bandeara para o lado monarquista. Assume corajosamente a presidência. O 05 de setembro de 1839 nomeia o seu ministério. Para os Negócios da Fazenda, Interior e Justiça, o cidadão João Antônio de Oliveira Tavares e para os Negócios da Guerra, Marinha e Exterior, Antônio Claudino de Souza Medeiros.
No dia 12 de setembro foi entoado o Te Deum seguido de missa solene em todas as igrejas. Era o apogeu do movimento rvolucionário. No entanto, a 15 de novembro do mesmo ano de 1839, as tropas monárquicas tomam Laguna. Desarticulados, os farrapos que tinham vindo auxiliar na revolução, debandam para o Rio Grande do Sul e deixam os catarinenses à sua sorte. A República Juliana durara aproximadamente três meses.
O padre Cordeiro foi imputado e processado. Poderia sofrer sanções canônicas da Igreja e sanções legais da Monarquia. Na sua ausência da Enseada foi substituído pelo padre Bernardo Brochado da Cunha Junior, da freguesia de São José e de postura favorável ao Imperador Pedro II. Os próprios paroquianos da Enseada agora não mais queriam o padre Cordeiro.
Passados cerca de dois anos o ex-presidente da República Juliana obtém clemência do imperador. E retorna para ser novamente o pároco da Enseada de Brito. Sua volta foi polêmica, pois alguns fiéis não o queriam, enquanto outros aceitavam a decisão das autoridades da Igreja. Passado, porém, algum tempo, tudo voltou a ser como antes. O padre Cordeiro tivera a seu favor um movimento que obtivera muitas assinaturas impetrando ao imperador brasileiro Pedro II o direito da graça. Isto obtido, retornou ele ao seu rebanho.
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Anita Garibaldi, a lagunense heroína de dois mundos e um monumento em sua homenagem em Roma. Dá nome a dois municípios catarinenses: Anita Garibaldi e Anitápolis.
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Permaneceu o padre Cordeiro ainda na Enseada por longos anos, rodeado pelo afeto de seus paroquianos e obediente às autoridades eclesiais e monárquicas, até falecer no dia 04 de janeiro de 1860. Desde a criação da paróquia em 1750, foi o padre que permaneceu mais tempo à frente dela, mais de trinta anos.
O seu falecimento foi anunciado a seus superiores com extrema frieza. O documento notificando a morte é discreto e limita-se a dar ciência do fato.
"Ilmo Exmo. Snr.
Tenho a honra de participar a V. Exa. que no dia 04 do corrente... faleceu o reverendo padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro, vigário encomendado da paróquia de Nossa Senhora do Rosário da Enseada de Brito. Fica aquela igreja a cargo do vigário de São José, enquanto não houver sacerdote que a queira paroquiar. Deus guarde V. Exa. Desterro, 07 de janeiro de 1860. Dr. Francisco Carlos de Araújo Brusque - Presidente da Província - Arcipreste Vigário César D'Alexandria e Souza.
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Viveu o padre Cordeiro por 78 anos e levou consigo o título de primeiro e único presidente da República Juliana, que durou três meses no município catarinense de Laguna. Pároco da bucólica Enseada de Brito.
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As docas de Laguna hoje. O casario é em estilo açoriano.********************
Entrada para a Enseada de Brito quando se vem do alto do morro dos Cavalos.********************

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Silveira Junior, cadeira 2 da ACL.

Jornalista e escritor Norberto Cândido Silveira Junior, nascido em 17 de maio de 1917 no Balneário de Piçarras, próximo de Itajaí, e falecido em Florianópolis a 03 de dezembro de 1990. Foi titular da cadeira 2 da Academia Catarinense de Letras.
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Conheci Silveira Junior no Palácio do Governo em 1975, na administração do governador catarinense Antônio Carlos Konder Reis. Ele era assessor especial do grande político.
Figura ímpar, de cultura enciclopédica, embora não fosse detentor de diplomas. Um grande homem que aprendi a respeitar e admirar em razão da grandeza de sua alma, tudo aliado a uma simplicidade quase ingênua, humilde que era. Homem de caráter reto e integridade exemplar.
Honrava-me quando ele me chamava de amigo. Não acreditava em Deus, ou melhor, possuía dúvidas quase insuplantáveis. Disse-me pensativo que somente poderia saber depois de estar em outra dimensão. Mas afirmo que ele está ao lado de Deus, pois se conduziu na terra como homem justo. Faleceu com a idade de 73 anos.
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Obras:
História de Itajaí - 1949 - Edição do autor.
História de Itajaí - 1972 - Editora Escalibur - SP.
Um brasileiro nos EUA - 1962 - Editora Tecnoprint - RJ.
Memórias de um menino pobre - 1973 - Co-edição Udesc/ Editora Lunardelli. Fpolis.
Confissões de uma filha do século (romance) - 1982 - Editora Lunardelli. Fpolis.
Depois do juízo final (romance) - 1983 - Editora Global - SP.
Mil notícias culturais - 1985 - Editora Lunardelli - Fpolis.
Cristianismo e Justiça - 1972 - Edição do autor.
Nossa guerra contra a Alemanha (romance) - 1988 - Editora Lunardelli - Fpolis.
Contos, crônicas e narrativas.
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Detenho-me nos dois livros que mais me comoveram e deliciaram.
Nossa guerra com a Alemanha:
O livro tem em seu preâmbulo a seguinte nota, bastante esclarecedora:
"Santa Catarina deve grande parte do seu progresso à colonização alemã. Por isso nem parecia que houvesse um tempo na nossa história que esta gente, que já estava diluída na terceira e quarta geração, fosse acoimada de traidora do Brasil, apenas porque tinha sobrenomes como Müller, Schroeder, Schneider ou Zimmermann. Eles nasceram no Brasil e não tinham culpa de trazerem estes sobrenomes ancestrais. Mas o nosso xenofobismo não os poupou. E por isso, democratas e patriotas, que hoje são exemplos de cidadãos do mundo, não se pejaram de inflingir a esta pobre gente a mais humilhante punição por crimes putativos que eles, na verdade, nunca praticaram.
Este livro pretende trazer um pouco de luz sobre estes episódios que aconteceram há mais de quarenta anos e resgatar parte da nossa dívida de gratidão para com aqueles que atravessaram o Atlântico para crescerem e prosperarem conosco. (Silveira Junior)"
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O livro narra a vida atribulada do alemão Vitoldo e a esposa Brune. Com a segunda guerra mundial, que exporia Hitler como um dos genocidas do século vinte, os alemães e seus descendentes foram até proibidos de falar a língua-mãe. Alguns nem sequer sabiam falar o português. Autoridades como o delegado Justino, que prendeu Vitoldo e se aproveitou da ingenuidade da esposa, faziam a lei naquela região. Tanto que Vitoldo teve um filho louro e uma filha morena, esta fruto das investidas do delegado contra Brune enquanto o pobre estava na cadeia. O livro se refere à Noite dos tambores silenciosos em Jaraguá do Sul, município próximo de Blumenau, quando colonos desarmados foram atacados a tiros pela polícia, matando dois e ferindo dezenas. A única motivação era o ódio aos alemães do Vale, taxados de nazistas. Um agente da lei dispara três balas contra o jovem e culto Ricardo Greenwaldt, em sua residência, matando-o sem motivo aparente, crime até hoje de autor desconhecido. Colonos eram obrigados a beber óleo de rícino e até óleo diesel, pelo simples fato de terem origem alemã e serem considerados "capangas de Adolf Hitler". Pobre gente!
O livro resgata a injustiça cometida contra esta gente laboriosa e ordeira, que com seu trabalho veio trazer progresso para o fértil e belo vale do Itajaí e outras regiões catarinenses.
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Nossa guerra contra a Alemanha.
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Memórias de um menino pobre.
O livro mais belo e comovente de Silveira Junior. Verdadeiro hino ao universo telúrico e simples do vale do rio Itajaí-açú. É autobiográfico. Narra a vida difícil e pobre do autor e sua família no sub-distrito de Rio Branco, distrito de Bananal, na época pertencente ao município de Joinville e que hoje se denomina Guaramirim, próspero município barriga-verde.
Limito-me a citar alguns trechos do livro, cuja análise não se faz necessária, pois a prosa fluente e melódica do autor fará com que meus leitores melhor o compreendam e se encantem. Sua linguagem é terna e saborosa.
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- Eu tive uma infância povoada de temores e angústias. Que medo que o professor Cantalício me desse na cabeça com aquela régua de metro; que medo que o padre viesse rezar na nossa capela e voltasse a falar do inferno; que medo do inferno, que era todo de fogo, com demônios que tinham setas na cauda; que medo que na curva do seu Zé Jacinto aparecesse a mula-sem-cabeça; que medo que o seu Dodô voltasse, mesmo depois de haver morrido; que medo que uma enorme trombeta aparecesse nas nuvens anunciando o fim dos tempos; que medo, que medo, que medo...
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Tenho uma lembrança penosíssima de meu pai, agonizando de um enfizema pulmonar, perguntando à minha mãe: quando é que Deus vem me buscar? E sei que no dia da sua morte o jasmineiro de nossa casa estava florido. Até hoje ligo o perfume ativo dessa flor ao cadáver de meu pai, estendido na sala com um lençol por cima.
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Nasci em 1917 no atual município de Piçarras, que naquele tempo pertencia a Itajaí. Mas de nada me lembro do lugarejo de São Braz, que abandonei com pouco mais de dois anos. Todas as reminiscências de minha infância, o palco é Rio Branco, um lugarzinho que hoje pertence ao município de Guaramirim, mas que naquele tempo compunha o distrito do Bananal, parte integrante do território do então imenso município de Joinville.
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E qual não foi o pânico do velho Bruda quando, numa madrugada, ao levantar para fazer uma necessidade, viu alçar voo da caminha da neta nada menos que um monstruoso morcego, transmissor da raiva bovina. Aproximou o lume da criança e, na penumbra, descobriu a marca vermelha dos dentes do morcego e um tênue filete de sangue escorrendo do pescoço da menina. E não sei quantos dias se passaram até que a pobre criança entrou em delírio e foi consumida nos espasmos da terrível moléstia. Vovô Bruda abriu a mangueira, soltou os animais no campo e, também ele, desvairado, meteu-se pela mata adentro que contornava o morro dos fundos de sua propriedade. Dias depois os corvos denunciaram a sua presença, balançando-se sinistramente, dependurado num laço de cipó-imbé,
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Mamãe era quase analfabeta, mas perdia horas ouvindo alguém lendo um livro, cujo enredo ela nunca mais esquecia. Foi assim que ela me contou as aventuras de Robinson Crusoé, de Defoe, e Escrava Isaura de Bernardo Guimarães. Mais tarde, quando li estas obras, admirei-me da fidelidade da narrativa de mamãe.
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Eu tinha um grande prestígio junto ao Dato Piazera porque ele namorava a minha irmã Rosa.
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Dato Piazera transformou o pátio da capela numa penumbra dourada, de onde recendia um cheiro gostoso de carne seca assada. Dato gostava de soltar foguetes e deixava o céu ficar coalhado deles, para alegria do pequeno Norberto.
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Aliás, eu gostava das novenas oficiadas pelo seu Antônio Reinert, que sabia cantar a ladainha em latim. Ele puxava as rezas que diziam coisas assim: Regina vírgula, vírgula. Regina infirmoru. Regina apostoloru. Regina martiró. Regina santoru omi...
E havia também uma coisa muito complicada que seu Antônio dizia: Regina sine-labioriginali-conceta... E a cada uma dessas invocações nós respondíamos em coro: Orai por nobres!...
Isso era a novena. Mas a cada mês vinha de Massaranduba ou Jaraguá, já não sei ao certo, um padre para rezar missa. E essa missa me apavorava, desde o dia em que o bom sacerdote descreveu para nós como era o inferno, para o qual iam todos aqueles que morriam em pecado mortal. Dizia que o inferno era um lugar de fogo e enxofre, para onde vão os meninos que praticam coisas feias com as namoradas, os que ofendem o Espírito Santo em pensamentos, palavras e atos... Intimamente eu me enquadrava em todos aqueles pecados mortais. Quando o padre terminou aquele sermão, o meu pavor era de tal ordem, que tive medo de enlouquecer. Saí correndo para casa e contei à mamãe o que o padre havia dito. Ela me liberou da frequência aos atos religiosos com estas palavras: O Deus que eles pregam é muito ruim. Se vocês vão à missa para ouvir essas coisas, de hoje em diante ninguém mais é obrigado a frequentar missas. Estes comentários de mamãe constituíram um marco em minha vida. E a partir daí tornei-me um homem sem religião, embora estudioso das coisas do espírito. Nunca tomei a primeira comunhão e a partir dessa omissão original, nunca frequentei a Mesa Eucarística.
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Ainda sobre a fauna da nossa escola, não posso esquecer um filho adotivo da sinha Cardosa, que era tatibitate e tinha o lábio leporino. O apelido dele era porco-da-índia. Como ele não podia pronunciar o C nem o G, ele falava vou pra 'asa, fi'ei de 'asti'o (fiquei de castigo), mas também era um rapaz muito mau e desbocado. Uma vez quebrou um tinteiro na cabeça do Pacífico e continuou desafiando: Me 'hama de por'o-da- índía a'ora, seu 'orno, me 'hama 'e eu te parto a 'ara.
E a verdade é que nós passamos a respeitá-lo...
Na escola éramos meninos tímidos, muito bem comportados. Nunca discutíamos nem ao menos conversávamos com nosso mestre. Mas quando saíamos das suas vistas éramos um bando de javalis soltos; grosseiros, rústicos, desbocados.
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Eu seguiria, certamente, o mesmo destino de meus irmãos mais velhos, que foram para a cidade em busca de dias melhores. Em Joinville José, o meu irmão mais velho, conseguira para mim um modesto lugar de caixeiro num armazém. E chegou o dia em que ele veio buscar-me. Naquele dia não pude mais soltar a palavra. Um nó se instalou na minha garganta. E eu queria passar por valente e não chorar. E foi nessa angústia que me afastei de minha pobre casa e da minha família tão triste e sofrida, rumo a Bananal, onde, acompanhado de meu irmão José, peguei o trem de ferro que me levaria para a grande aventura urbana que vivo discretamente até hoje. Era no dia de Santo Antônio...
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Presto assim homenagem a este primoroso homem das letras, que leu minhas garatujas poéticas um dia e tanto me incentivou. Que esteja ao lado do Deus que sempre acreditou, embora fosse instado a não fazê-lo diante de um contexto e de uma época.
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Igrejinha de Nossa Senhora do Rosário da Enseada de Brito.
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Rio de Janeiro, 08 de outubro de 1923.
Seu Polidoro e dona Esther, avós de minha esposa Sílvia. As crianças, da esquerda para a direita: Lourdes, João, Zilá, Vera e Natália. João, o caçula, pai de Sílvia, nascido em 1918. Todos já faleceram.
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Recomendo a meus leitores os livros de Norberto Cândido Silveira Junior, com ênfase especial para Memórias de um menino pobre e Nossa guerra com a Alemanha.********************

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Tio Didica.

Ido Rodrigues (Didica), foto de 1966 no morro da Mariquinha em Florianópolis. Ele nasceu em 05 de maio de 1934.
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A primeira lembrança do Didica, irmão de minha mãe e manezinho de Floripa, a capital faceira de duendes e bruxas, é a casa da Costeira, um bairro da ilha, onde o piso era de chão. A luz, à noite, vinha da lua ou de uma lamparina de querosene.
Comia com os irmãos num alguidar, de cócoras. Recorda sempre a mãe Lídia varrendo o terreno com vassoura de mato. Para entrar na cozinha, era preciso passar por cima de um barrote de madeira, na parte inferior da porta.
Na casa de seu Guilherme e da dona Bilica, à frente, havia um poço onde ele pegava água para a mãe. O mar da baía sul dava para os fundos da casa alugada, onde o pai Bertoldo e o tio Albertino saíam regularmente, nas horas de folga, para pescar e defender uma comida a mais.
Da Costeira, foi para outra casa humilde do Saco dos Limões, alugada também. Em outra morada da avenida Tico-tico, os mosquitos eram tantos que o pai teve a idéia de botar fogo em folhas dentro de uma lata. A fumaça afugentou os mosquitos e correu com a família. Finalmente, Didica se mudou para uma residência um pouco melhor, no morro da Mariquinha, casa de estilo açoriano, comprada pelo pai com empréstimo ao Ipase, um instituto de pensão e aposentadoria de alguma coisa.
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Recorda com saudade a dona Mariazinha, gordinha, primeira mestra do grupo Lauro Müller. Saindo dali, imitou Lulla e foi para o Senai, frequentar o curso de marcenaria. Ficou por ali três anos, quando desgostaram do rapaz e o tiraram do curso. Um colega, o Xavier, trabalhava num torno. Didica estava com uma lata de tinta preta e jogou nele um pouco. Mas o pincel estava cheio e sujou toda a roupa, o rosto, os óculos. Didica foi mandado embora.
Foi, então, para a Escola Industrial, na rua Almirante Alvim, perto do quartel da PM. Ali estudou uns dois anos, mas eram necessários três. Estava ele numa malfadada aula de música e a professora fazia os alunos berrarem a plenos pulmões o do-ré-mi-fá. Didica era desafinado como ninguém. A professora achou que ele estava gritando mais que o necessário, bulindo com ela. Vingativa, determinou que ele tocasse piano. Didica já estava arreliado e começou a tocar com somente um dedo. embora soubesse uma coisinha a mais. Ela não gostou. Ele, ante os impropérios da mestra, resolveu sair da sala. Esbarra na porta com o diretor, que cai estrondosamente para trás.
-- Ele queria entrar e eu queria sair, recorda ele rindo.
Acabou saindo mesmo. Da escola!
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Com dezoito anos, Didica ingressa na Secretaria de Segurança Pública como escrevente extra-numerário. Nome pomposo pra pouco dinheiro. Hoje, o nome é estagiário.
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Foto atual do Didica em sua casa no município de Mafra, onde mora há muito tempo e afirma que não retorna para a capital.********************
Em 1954 foi falar com o oficial de gabinete do Secretário. Pediu para ser estafeta do serviço de Telegrafia, entregar os radiogramas. Deu certo, mas tinha que andar muito. Pediu para o doutor comprar uma bicicleta. Acabou ganhando faceiro uma da marca Garick para entregar a papelada.
O irmão Ilson dava aulas de Código Morse na Secretaria e ele se dispôs a aprender. Mais tarde, passa a fazer parte do quadro de radiotelegrafistas. Cansou de falar no rádio com o Sargento Menezes, sargento da PM em Jaraguá do Sul, seu cunhado.
O serviço era a maior moleza. Didica trabalhava um dia inteiro, mas folgava seis. A rádio-frequência podia causar contaminação. Aproveita para aumentar a renda trabalhando de barbeiro com o Seu Nestor, sogro de óculos verde-escuro de garrafa. E por falar em sogro, ele casa com a mocinha Sara, filha do seu Nestor e da Dona Otília.
Um dia se aborrece. Chega no serviço e o Osmarino Boca-rica lhe informa que todos os telegrafistas estavam suspensos. Um safado, técnico de manutenção, roubara o setor. Feita a sindicância, foram inocentados. Deixa o setor de telegrafia e passa a trabalhar no setor financeiro da secretaria. Ganhava bem.
Finalmente, Didica é nomeado escrivão e faz carreira na Polícia Civil. Vai para Mafra, município do norte catarinense, com a família, e já está la há mais de trinta anos. E afirma que vai morrer lá.
Personagem interessante e peculiar, defende com ênfase as suas ideias, além de ser uma pessoa corajosa e decidida. Inteligente, mais do que a cultura formal, aperfeiçoou-se na cultura da vida, do labor e da experiência.
De personalidade forte e marcante, o baixinho e magrinho Didica sempre se revelou uma pessoa singular. Coleciona histórias adquiridas ao longo de sua existência. Vamos narrar duas.
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Sara, primeira esposa do Didica, com o primo Érico Silva, que foi criado por Dona Otília, mãe dela. Sara faleceu em 1993 com 55 anos. Ido Rodrigues Filho, conhecido nosso como Idinho, filho mais velho de Didica e Sara, faleceu em 2003 com 47 anos. Estão sepultados em Mafra. Ido e Sara tiveram os filhos Ido, Fernando, Alberto, Raquel, Itamar e Fábio.********************
1- O aparelho de radiotelegrafia.
A ano é 1960. A aparelho receptor de radiotelegrafia descansava sobre uma mesa de madeira já carcomida pelo tempo e pelo uso, no prédio em que funcionavam as Secretarias de Estado, na esquina da Rua Tenente Silveira com a Praça XV. O Didica era um dos operadores do monstrengo, melhor meio de comunicação da capital com todo o interior. Um majestoso modelo Hallycraff S-40, de caixa enorme e pesada.
Didica estava insatisfeito no trabalho, pois a mesa a todo instante ameaçava ruir e levar o aparelho com ela. Tanto a mesa quanto o rádio já mereciam aposentadoria. Sabedor que o Secretário de Segurança viria à sua sala para conversar com alguma autoridade do interior, pois o aparelho transmitia em Código Morse e também em fonia, Didica, com muito jeito, acabou de quebrar um dos pés da mesa, o que não foi muito difícil, pois os cupins já tinham tomado o móvel de assalto. Calçou a mesa a título precário, de modo que se alguém nela tocasse, tudo despencaria.
Chegou o Secretário e logo se abancou na cadeira para mandar o seu recado. Quando tocou com o sapato no pé da mesa, um barulho enorme se fez ouvir na Secretaria e rádio e mesa desabaram, justamente sobre o pobre do homem.
--Está vendo, secretário? Não foi por falta de aviso, disse Didica muito sério e com cara de espantado, ajudando a levantar a assustada autoridade. -- Já faz tempo que pedi para substituírem isso aqui e foi cair logo com o senhor!...
Na outra semana uma mesa nova e um aparelho reluzente, de modelo mais avançado, um Hallycraff S-50, ajudava o lampeiro Didica a enviar para as catarinas terras as suas mensagens.
2- O vidro quebrado.
Por volta de 1962, Didica ainda trabalhava como radiotelegrafista. Num final de semana ele estava de plantão. As paredes divisórias da Secretaria eram formadas por madeira e vidro, clareando e deixando o ambiente mais leve. O fato é que um desses vidros apareceu quebrado e ninguém conseguiu descobrir o autor da façanha. Feita uma investigação por um funcionário graduado, ele concluiu pela culpa do Didica, pois o fato acontecera no seu plantão. Como resultado, Didica foi punido com alguns dias de suspensão do trabalho, sem vencimento. Indignado, pegou a mulher e os filhos pequenos e foi até o Hotel Royal, na rua João Pinto, próximo dos galpões dos clubes de remo. Lá avisou o gerente que a mulher e os filhos iriam ficar ali, por conta da Secretaria, até terminar sua suspensão, pois sem salário não tinha condição de sustentá-los. É claro que o gerente não aceitou e o fato foi imediatamente comunicado ao Secretário. Este, que não sabia do ocorrido, após ouvir o Didica suspendeu o castigo, pois não havia provas conclusivas contra ele. Além do mais, ele não tinha realmente quebrado o vidro. Foi um modo "sui generis" que o baixinho encontrou para resolver o problema. Mas funcionou.
Didica relembra:
Eu gostava de jogar gato em cima do telhado. Pegava pelo rabo e jogava. Amarrava latas nos rabos dos cachorros, só para vê-los desesperados correndo morro abaixo. Eu devia ter uns doze anos, quando levei uma surra da mamãe com uma pá de polenta. Ela não me deixava tomar banho no mar, mas eu escapava. Acompanhava uns amigos da minha idade. Nós nos jogávamos das barcaças e do Miramar. Quando a mamãe me pegava com a camisa virada do avesso, não tinha dúvida que eu ia para a pá de polenta.
Mais tarde, eu e a Sarinha gazeávamos a aula para passear na praça. Dona Otília ficava doida.
Hoje, o que o Didica possui de mais sagrado em Mafra são a sua lareira e as suas lembranças. A esposa se foi para o infinito e ele casou outra vez, com a Rose. Passa as tardes no centro flanando, conversando, pois conhece todo mundo. Fica bebendo um chopinho, fumando... E de Mafra não mais sairá, nem para voltar à sua terra natal.
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1980. Enseada de Brito. Didica, a irmã Iolanda e o irmão gêmeo Ivo. Tio Ivinho faleceu em 1998, dois anos depois da morte da esposa Cacilda. Sentada a matriarca Lídia, que faleceu em 1994 com 96 anos.
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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Pílulas XIX. AÇORES, terra de nossos ancestrais.

Ilha do Pico - Nela fica a montanha mais alta de Portugal, com 2.351 m.
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Diz a lenda que naquela terra se localizou a Atlântida, continente perdido. Da erupção dos vulcões no Oceano Atlântico resultaram nove ilhas que formam o Arquipélago dos Açores, região ultramarina autônoma de Portugal.
Ilha do Corvo, ilha das Flores, ilha Graciosa, ilha de São Jorge, ilha do Pico, ilha Terceira, ilha de Santa Maria, ilha do Faial e de São Miguel. Destas duas últimas vieram para Santa Catarina, há cerca de duzentos e cinquenta anos, uma leva de açorianos para povoar e colonizar o litoral catarinense. Deles herdamos costumes, crenças, hábitos, lendas e tantas e variadas manifestações culturais. Aqui prestamos nossa homenagem à bela região de ilhas engastadas no Atlântico, quais jóias preciosas de uma tiara portuguesa.
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Lema dos Açores: Antes morrer livres que em paz sujeitos.
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Bandeira da Região Autônoma dos Açores, parte integrante da terra-mãe Portugal.
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Cidade de Angra do Heroísmo. Aqui fica a sede da diocese dos Açores. A região tem cerca de 250.000 habitantes e elevado índice de desenvolvimento humano. Sua moeda é o euro.
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Lagoa das Furnas na ilha de São Miguel.
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Lagoa do Caldeirão na ilha do Corvo. Toda a região tem origem vulcânica e pode ser afetada por terremotos.
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A primeira missa no Brasil - Aquarela do grande pintor catarinense Víctor Meireles de Lima, nascido em Desterro (Florianópolis) em 18 de Agosto de 1832 e falecido no Rio de Janeiro a 22 de fevereiro de 1903.
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Outra aquarela do grande pintor - A morte de São João Batista.
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Paisagem do distrito de Enseada de Brito, distante 30 quilômetros de Florianópolis. Um pedacinho dos Açores aqui revivido.
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domingo, 8 de agosto de 2010

Pílulas XVIII. Cícero.

Marcus Tulius Cicerus foi um tribuno romano que viveu na época da República (106AC-43AC). Filósofo, orador, escritor, cônsul e senador foi, depois de sua morte, cognominado o "pai da pátria romana". Ficaram famosos os seus quatro discursos contra Catilina (as catilinárias), outro tribuno que conspirava contra a República. A sua primeira oração no Senado teve um exórdio famoso, ensinado nas aulas de Latim:
"Quosque tandem abutere, Catilina, nostra patientia? (Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?). Observe-se que o Latim é bem parecido com a nossa Língua, pois foi, como já estudamos em artigo passado, a sua expressão vulgar que originou o nosso belo, desconhecido e maltratado idioma.
Para dístico do meu blog resolvi citar trecho de seu primeiro discurso. Estou fazendo esta referência porque diversas pessoas me pediram para traduzir.
O tempora! O mores! Ubinam gentium sumus? In qua urbi vivimus? Quam republicam habemus?Podemos versar assim:
Oh, tempos!... Oh, costumes!... Que tipo de gente somos?... Em que cidade (país) vivemos?... Que tipo de República temos?... Podem meus leitores constatar que tais verberações continuam atualíssimas. Podem ser muito bem empregadas, por exemplo, na nossa Marmelândia de uma República imperial, em que o Executivo manda e desmanda e os outros dois poderes se curvam. Mas... deixemos pra lá e voltemos a Cícero.
Ele conseguiu expulsar Catilina de Roma, mas ganhou muitos inimigos. Fez oposição a Marco Antônio, que foi mais feliz que Catilina e mandou matá-lo. Teve a cabeça e as mãos cortadas e expostas. Prenunciava-se o fim da República romana e o advento da era dos Césares.
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Ai, que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida... dizia o poeta. Aqui já não infante, mas um adolescente de quinze anos. Tempos bons!... Minha tia Vandinha me protege.
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Blumenau e o rio Itajaí-açu em tempo de chuva.
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Casa da cultura açoriana do distrito de Enseada de Brito, pertencente ao município de Palhoça. Um lugarejo de tradições e modo de vida trazidos dos Açores. Fiquei muito feliz ao constatar que fui acessado naquela terra de meus ancestrais maternos. Gostaria de visitá-la, pois me orgulho de minha origem portuguesa.
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Hoje comemoramos o dia dos Pais. Fazendo uma respeitosa referência a meu saudoso pai Simeão da Rosa Menezes e a meu saudoso sogro João Santigo Amaral, homenageio com sentimento a todos os pais que me acessam.
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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Capitão Vilmar Teodoro.

São Paulo, janeiro de 1959. O Primeiro Tenente Vilmar Teodoro casa com a jovem Deyse de Abreu. Em pé, atrás da noiva, seus pais, Coronel da Força Pública de São Paulo Augusto de Abreu e a esposa Jandyra. A cerimônia foi oficiada pelo capelão militar Tenente Coronel Cavalheiro Freire.
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Vilmar Teodoro, filho caçula de Manoel Jacinto Teodoro, mestre de obras da antiga Diretoria de Obras Públicas, e de dona Ana Martins Teodoro, nasceu em Florianópolis no dia 03 de outubro de 1933. Foi incluído na Polícia Militar de Santa Catarina a 12 de fevereiro de 1954 e logo seguiu para São Paulo, a fim de frequentar o Curso de Formação do Oficiais no Centro de Formação e Aperfeiçoamento da Força Pública do Estado, hoje Polícia Militar paulista.
A 15 de dezembro de 1956, após concluir o curso com mérito, foi promovido a segundo tenente da PM catarinense, exercendo as funções de ajudante de ordens do Coronel Mário Fernandes Guedes, na época Comandante Geral da Corporação.
Retorna em junho de 1957 a São Paulo, para fazer o Curso de Oficial de Bombeiros, que concluiu em novembro de 1958.
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O cadete Vilmar Teodoro com o uniforme da Força Pública Paulista.
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Na manhã de 13 de abril de 1959, já como Primeiro Tenente (fora promovido em julho de 1957), quando treinava uma equipe de bombeiros que faria uma demonstração de salvamento no dia 05 de maio, sofreu uma queda do cabo aéreo, ficando afastado do serviço ativo, em tratamento, até novembro do mesmo ano, quando passou à disposição da Secretaria de Segurança Pública. Exerceu as funções de delegado de polícia dos municípios catarinenses de Dionísio Cerqueira e Siderópolis.
Em Fevereiro de 1961 foi promovido a capitão e assumiu o comando do Corpo de Bombeiros de Santa Catarina. Seria em seguida, em virtude da grave queda, de que não conseguira se curar em definitivo, declarado incapaz pela Junta Médica da Corporação para o serviço ativo, sendo reformado em Outubro do mesmo ano.
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Seus conhecimentos de sistemas automáticos de combate a incêndios deram-lhe condições de ser admitido na multinacional Mather & Platt, filial de São Paulo, empresa fabricante e instaladora desses sistemas, onde chefiou o departamento de inspeções de 1964 a 1980, quando então fundou a ISINC- Inspeções de Seguro Incêndio Ltda, que opera até o dia de hoje.
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É bacharel em Direito pela Universidade São Francisco de Bragança Paulista (primeira turma).
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1956 - São Paulo. Os alunos oficiais José Fenandes e Vilmar Teodoro. Este foi porta-flâmula da Academia paulista.********************
O capitão Vilmar fala da vida, da família e dos amigos:
Apesar da carreira abruptamente interrompida, considero-me um afortunado e muito devo às Polícias Militares de Santa Catarina e de São Paulo. O fato de ter sido Aluno Oficial da atual Academia de Polícia Militar de Barro Branco e ter feito o curso de Bombeiros como oficial em São Paulo permitiu que:
- Fizesse grandes amigos, especialmente os colegas de turma coronel Fernandes e coronel Gonzaga (amigos para sempre).
- Mesmo depois de reformado pudesse trabalhar na área de proteção contra incêndios.
- Conhecesse a Deyse em abril de 1954, com ela casasse e a trouxesse para Floripa, mesmo sendo filha do coronel Abreu, que era bravo pra valer.
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Vou contar-lhes alguns episódios alegres que pontuaram nosso relacionamento:
O início do namoro - Conheci a Deyse numa festa de casamento da irmã de um Aluno Oficial. Quando ela desembarcou do automóvel, eu já estava decidido: "Esta vai ser minha esposa!" Dançando com ela, não notei que estava sendo marcado em cima pelo meu futuro sogro. Acertamos um encontro para o dia seguinte, na missa das dez horas na Igreja de Santana. Fiquei sabendo que, desde aquela data até o casamento, meu sogro se referia a mim como o "pirata" que iria sequestrar a filha e levá-la para longe.
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O namoro: Eu saía da Academia de túnica e luvas brancas, culote e botas de cano longo (claro que com o uniforme alterado) e montando um cavalo branco e manso ia visitá-la, parecendo um príncipe encantado.
Quando ia namorá-la, chegava fardado, me apresentava ao meu superior e pedia permissão para o ato. Ele me olhava de alto a baixo, para ver se estava de barba feita, uniforme bem passado e sapatos engraxados. Depois de aprovado, ele permitia o namoro até as 22 horas. Ficávamos assistindo a uma tevê em preto e branco. Um dia decidi desobedecer às ordens e ultrapassei o horário determinado. Ele nada falou. Saiu da sala e depois de alguns minutos voltou de pijama e chinelos, nas mãos uma bomba mata-mosquitos. Com sutileza, espargiu o jato de inseticida em minha direção, como quem diz: "Não sei se estou sendo claro!"... É lógico que saí como um corisco!
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O casamento: Como nos casamos em São Paulo, viemos passar a lua-de-mel em Florianópolis, para que a Deyse conhecesse os meus familiares, amigos e a ilha.
A viagem foi feita num DC-3 da Varig e levou mais de quatro horas. Chegamos cansados no Hotel Lux, com o quarto reservado. Mas o tempo ia passando e os funcionários não nos levavam para o apartamento. Perdi a paciência e fui falar com o gerente, que me informou: "Recebemos um telefonema da Polícia Militar, de que chegaria ao hotel um casal de São Paulo, ele se dizendo tenente da Corporação. No entanto, era um casal de vigaristas!... Logo em seguida adentraram ao hotel os tenentes Amauri, Bitinho, Matheus e Ledeny, entre outros. Era um trote! Levaram nossas malas para o apartamento, abriram-nas e espalharam toda a roupa e objetos sobre a cama. Que ótima recepção e que bons tempos!...
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Peço vênia para sentir orgulho de minha família. A Deyse, ótima filha, esposa, mãe e avó, é uma pessoa muito especial. A ela uma rima de minha autoria:
Deyse sempre menina,
na opinião de quem lhe fala.
Você é uma heroína
por aturar este "mala".
Muitos anos de casados
fora o namoro e noivado.
Vou lhe dizer agora,
se já não lhe disse ainda.
Você é bonita por fora,
mas por dentro é mais linda.
Mil beijos do seu bem-amado,
seu eterno enamorado.
(O capitão Vilmar, senhores, convive com poesia, pois sua Deyse é poetisa da Academia Catarinense de Letras e Artes e da Associação dos Cronistas, Poetas e Contistas catarinenses).
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O tenente Vilmar e a amada em São Paulo, 1957.
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Filhos do casal:- Augusto César, poeta, nas horas vagas gerente da minha firma, é pai de Mariana (psicóloga).
(Augusto pertence à Academia São José de Letras e à Associação de Cronistas, Poetas e Contistas catarinenses. É poeta de renome com livros publicados. Seguiu por certo os passos da mãe).
- Marcus Vinicius, capitão dentista da Polícia Militar e pai de Marcus Junior, estudante de Medicina.
- O caçula, Luiz Henrique, é Tenente Coronel sub-comandante do Batalhão de Aviação do Corpo de Bombeiros catarinense. A Deyse, que me entregou a espada quando me formei oficial, entregou a mesma para nosso filho 30 anos depois.
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Vilmar Teodoro e a esposa hoje. Moram num belo apê em Floripa, bem perto da ponte Hercílio Luz, cartão postal da cidade.********************
Para finalizar, diz ele com emoção: Sinto orgulho de pertencer ao quadro de oficiais da Polícia Militar, repleta de "gente boa", onde fiz e tenho grandes amigos.
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domingo, 1 de agosto de 2010

Tiroteio de um tiro!

João, que nunca pegara uma arma, resolve dar um tiro no coqueiro!...
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João chega em casa de noite. Vem cansado do serviço no Banco. Conseguira antes dar uma passada no ateliê da Teresinha Aquino para dar uns retoques numa tela. Será artista plástico de renome, acredita esperançoso. Enquanto a fama não chega, mora ali com Pedro, o cunhado que é cabo da PM e a irmã Marina. Esta quer porque quer casá-lo com a amiga Mafalda, que já namora o João há bem uns sete anos.
-- Estás empatando a moça, dizia ela de quando em vez. -- Assume logo, seu medroso!
Mas ele ainda não decidira, até porque a pressa nesses casos não é boa conselheira. Gostava mesmo da Mafalda, mas ela tinha um gênio!...
Quando chegou, procurou pela mana e pelo cunhado, mas ninguém estava em casa. Viu sobre a cômoda da sala-de-estar o revólver do Pedro no seu coldre. Sempre tivera curiosidade de pegar o trinta e oito e dar pelo menos alguns tiros, mas o cunhado não deixava. Porém, agora que estava só, quem sabe...
Criou coragem e pegou a arma com cuidado, um certo medo até. Vai para os fundos da casa, onde um coqueiro de tronco bem forte sobressai na escuridão, somente aliviada pelas luzes dos postes e das casas. Aponta para a árvore e se sente o dono do pedaço. Nunca fizera aquilo na vida, mas não custava tentar. Aperta o gatilho, e logo dispara um tiro no pobre do coqueiro, dando uma baita gatilhada. O estampido fez o João pular para trás pois, no barulho da noite, o estouro lhe provocara um enorme cagaço. Volta à sala e deixa a arma onde estava. Não queria mais dar tiro, pois até o barulho o assustara. Resolve deixar o pobre do coqueiro em paz. Prepara um sanduíche de pão com mortadela e vai comer na frente da tevê. Um suco de laranja faz com que não fique embuchado. É quando começa a ouvir uma serie de sirenes e vê a polícia chegar a toda na casa ao lado, da dona Xinoca.
A confusão dura bastante tempo, com policiais correndo para um lado e outro, até as viaturas desistirem e voltarem às suas bases. João permaneceu em casa bem quieto até o silêncio voltar com força.
Uma hora depois a irmã chegou com o marido. Comeram alguma coisa e foram dormir, pois o trabalho os esperava já bem cedo. Mais um dia de banco, de passadinha no ateliê para usar os pincéis na sua tela. João chega novamente em casa na sua rotina modorrenta, e encontra a dona Xinoca no muro.
-- Olha, João, diz ela parando o rapaz. -- Ontem deu um tiroteio danado aqui. Tu não ouviste?
-- Não, senhora. Mas foi tiroteio mesmo?
-- Se foi, cristão. Uma bala entrou na minha cozinha e foi se alojar bem na porta de cima da geladeira. Se eu estivesse ali abrindo a cuja, o tiro ia me pegar bem na cabeça ou no quengo do Geraldo. Olha, João, a coisa tá feia. Isso aqui era um lugar tranquilo, mas agora... Eu logo chamei a polícia, pois ouvi na tevê que as quadrilhas brigam entre si e disparam balas pra todo lado. Acho que era isso mesmo que aconteceu ontem.
João quieto ficou, fez cara de espanto e a dona Xinoca se foi. Ele se dirigiu ao coqueiro e constatou, apalermado, que depois da árvore havia um muro, e depois do muro a janela da cozinha da dona Xinoca, e depois da janela a geladeira aparecia com toda a sua parte de cima. Procura achar um buraco no coqueiro, mas nada. O tiro que pegou na geladeira foi o dele, calcula já pálido pela desgraça que poderia ter provocado.
Mas daí a dizer que houve um tiroteio!... Como a dona Xinoca era exagerada!..
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Sueli, a distraída.

Sueli está com pressa. Olha o relógio e balança a cabeça com impaciência. Já devia estar na universidade federal, na Trindade. O ônibus demora. Talvez perca a primeira aula da tarde.
Mas eis que finalmente o coletivo se apresenta. Ela faz sinal com a mão e logo sobe, colocando-se na poltrona à frente. O motorista pergunta onde quer ficar e ela responde.
-- Na universidade, moço.
O homem faz sinal de positivo e presta atenção no movimento à frente. E quando a Sueli começa a olhar para os lados e só vê uma homarada de farda cáqui. Todos com algum instrumento de banda na mão, como pistons, clarinetes e outros de aspecto mais complicado. Tem um que até assopra uma tuba, acompanhando o barulho soturno e grave com um bater de pés. Ela se afunda mais na poltrona e deixa correr. Quando finalmente o ônibus chega na universidade, ela levanta e se dispõe a dar um passe escolar para o motorista, pois observara que não havia catraca nem cobrador.
-- Não precisa não, dona. -- responde ele com um sorriso maroto. -- Mas da próxima vez vê se não manda parar o ônibus da Banda da Polícia. Pega o de linha.
Ela, muito envergonhada, agradece com um sorriso amarelo e sai de fininho. Viu ainda os músicos lhe mandarem das janelas um tchau amistoso e divertido, que retribuiu sem graça!
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Sueli está passando na rua Felipe Schmidt, bem no centro de Floripa capital. Pára e se põe a olhar confecções femininas expostas numa vitrine de loja. Afasta-se um pouco e vê atrás de si, pelo espelho de vidro, a irmã Janete.
-- Oi, mana! - cumprimenta ela com um sorriso. Volta-se para beijar a irmã e vê que não há ninguém. Dá nova meia-volta e só aí repara que cumprimentou a si própria. Procura ver se ninguém observou a cena surrealista e vai embora bem rápido.
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De outra feita, rumou até o Itacorubi onde participaria do velório de uma amiga que se fora para as bandas do além. Entra contrita, devagar, posta-se ao lado do caixão e começa a rezar, lacrimejando. Um amigo que a viu entrar, vai até ela e diz bem baixinho que o velório da amiga é na saleta ao lado. Sueli levanta os olhos e logo percebe que o defunto é outro! E é homem! Sai bem de fininho e entra na saleta certa!
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Sueli entrou numa loja para comprar uma calça jens. Acerca-se da atendente e pergunta pelo preço da calça que escolhera na vitrine. A moça não lhe dá bola e continua imóvel.
--Que desaforo! -- resmunga ela. -- Tu não tens boca pra falar?...
A mulher continua imóvel, como que zombando dela. Aperta a bolsa contra o peito e se dirige para a porta. Estava fula com o péssimo atendimento. Talvez até voltasse e fosse se queixar para o gerente.
E é isso que resolve fazer, num rompante de indignação. Quando passa pela mesma moça e continua a vê-la imóvel, observa mais de perto e constata que ficara brava com um manequim. Deu meia-volta e desistiu da compra.
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Sueli vai ao cinema. A sessão começa e as luzes estão se apagando suavemente. Eis que chega uma conhecida e lhe pede que sente na cadeira ao lado. Ela atende o pedido e senta com tudo na poltrona. Está agora ao lado de um senhor idoso. Mas quando senta vê que enfiou o traseiro num objeto até que duro, que lhe pareceu ter sido furado, pois fizera um barulhinho sibilante de vento. Pega-o na mão e percebe, assustada, que era o chapéu de feltro do senhor ao lado. Este, que já notara a cena, pega asperamente o chapéu e com a mão em soco procura fazê-lo voltar ao normal, com batidinhas regulares. Sueli se prostrou na cadeira e não conseguiu mais ver o filme, pois o velhinho zangado permaneceu no mesmo lugar, mexendo na chapéu e olhando para a tela já sem interesse. De vez em quando lançava à pobre moça um olhar furibundo.
Quando a sessão acabou, Sueli correu para a rua e foi embora. Nunca mais cruzou com o irritado velhinho.
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