Ido Rodrigues (Didica), foto de 1966 no morro da Mariquinha em Florianópolis. Ele nasceu em 05 de maio de 1934.
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A primeira lembrança do Didica, irmão de minha mãe e manezinho de Floripa, a capital faceira de duendes e bruxas, é a casa da Costeira, um bairro da ilha, onde o piso era de chão. A luz, à noite, vinha da lua ou de uma lamparina de querosene.
Comia com os irmãos num alguidar, de cócoras. Recorda sempre a mãe Lídia varrendo o terreno com vassoura de mato. Para entrar na cozinha, era preciso passar por cima de um barrote de madeira, na parte inferior da porta.
Na casa de seu Guilherme e da dona Bilica, à frente, havia um poço onde ele pegava água para a mãe. O mar da baía sul dava para os fundos da casa alugada, onde o pai Bertoldo e o tio Albertino saíam regularmente, nas horas de folga, para pescar e defender uma comida a mais.
Da Costeira, foi para outra casa humilde do Saco dos Limões, alugada também. Em outra morada da avenida Tico-tico, os mosquitos eram tantos que o pai teve a idéia de botar fogo em folhas dentro de uma lata. A fumaça afugentou os mosquitos e correu com a família. Finalmente, Didica se mudou para uma residência um pouco melhor, no morro da Mariquinha, casa de estilo açoriano, comprada pelo pai com empréstimo ao Ipase, um instituto de pensão e aposentadoria de alguma coisa.
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Recorda com saudade a dona Mariazinha, gordinha, primeira mestra do grupo Lauro Müller. Saindo dali, imitou Lulla e foi para o Senai, frequentar o curso de marcenaria. Ficou por ali três anos, quando desgostaram do rapaz e o tiraram do curso. Um colega, o Xavier, trabalhava num torno. Didica estava com uma lata de tinta preta e jogou nele um pouco. Mas o pincel estava cheio e sujou toda a roupa, o rosto, os óculos. Didica foi mandado embora.
Foi, então, para a Escola Industrial, na rua Almirante Alvim, perto do quartel da PM. Ali estudou uns dois anos, mas eram necessários três. Estava ele numa malfadada aula de música e a professora fazia os alunos berrarem a plenos pulmões o do-ré-mi-fá. Didica era desafinado como ninguém. A professora achou que ele estava gritando mais que o necessário, bulindo com ela. Vingativa, determinou que ele tocasse piano. Didica já estava arreliado e começou a tocar com somente um dedo. embora soubesse uma coisinha a mais. Ela não gostou. Ele, ante os impropérios da mestra, resolveu sair da sala. Esbarra na porta com o diretor, que cai estrondosamente para trás.
-- Ele queria entrar e eu queria sair, recorda ele rindo.
Acabou saindo mesmo. Da escola!
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Com dezoito anos, Didica ingressa na Secretaria de Segurança Pública como escrevente extra-numerário. Nome pomposo pra pouco dinheiro. Hoje, o nome é estagiário.
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Foto atual do Didica em sua casa no município de Mafra, onde mora há muito tempo e afirma que não retorna para a capital.********************
Em 1954 foi falar com o oficial de gabinete do Secretário. Pediu para ser estafeta do serviço de Telegrafia, entregar os radiogramas. Deu certo, mas tinha que andar muito. Pediu para o doutor comprar uma bicicleta. Acabou ganhando faceiro uma da marca Garick para entregar a papelada.
O irmão Ilson dava aulas de Código Morse na Secretaria e ele se dispôs a aprender. Mais tarde, passa a fazer parte do quadro de radiotelegrafistas. Cansou de falar no rádio com o Sargento Menezes, sargento da PM em Jaraguá do Sul, seu cunhado.
O serviço era a maior moleza. Didica trabalhava um dia inteiro, mas folgava seis. A rádio-frequência podia causar contaminação. Aproveita para aumentar a renda trabalhando de barbeiro com o Seu Nestor, sogro de óculos verde-escuro de garrafa. E por falar em sogro, ele casa com a mocinha Sara, filha do seu Nestor e da Dona Otília.
Um dia se aborrece. Chega no serviço e o Osmarino Boca-rica lhe informa que todos os telegrafistas estavam suspensos. Um safado, técnico de manutenção, roubara o setor. Feita a sindicância, foram inocentados. Deixa o setor de telegrafia e passa a trabalhar no setor financeiro da secretaria. Ganhava bem.
Finalmente, Didica é nomeado escrivão e faz carreira na Polícia Civil. Vai para Mafra, município do norte catarinense, com a família, e já está la há mais de trinta anos. E afirma que vai morrer lá.
Personagem interessante e peculiar, defende com ênfase as suas ideias, além de ser uma pessoa corajosa e decidida. Inteligente, mais do que a cultura formal, aperfeiçoou-se na cultura da vida, do labor e da experiência.
De personalidade forte e marcante, o baixinho e magrinho Didica sempre se revelou uma pessoa singular. Coleciona histórias adquiridas ao longo de sua existência. Vamos narrar duas.
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Sara, primeira esposa do Didica, com o primo Érico Silva, que foi criado por Dona Otília, mãe dela. Sara faleceu em 1993 com 55 anos. Ido Rodrigues Filho, conhecido nosso como Idinho, filho mais velho de Didica e Sara, faleceu em 2003 com 47 anos. Estão sepultados em Mafra. Ido e Sara tiveram os filhos Ido, Fernando, Alberto, Raquel, Itamar e Fábio.********************
1- O aparelho de radiotelegrafia.
1- O aparelho de radiotelegrafia.
A ano é 1960. A aparelho receptor de radiotelegrafia descansava sobre uma mesa de madeira já carcomida pelo tempo e pelo uso, no prédio em que funcionavam as Secretarias de Estado, na esquina da Rua Tenente Silveira com a Praça XV. O Didica era um dos operadores do monstrengo, melhor meio de comunicação da capital com todo o interior. Um majestoso modelo Hallycraff S-40, de caixa enorme e pesada.
Didica estava insatisfeito no trabalho, pois a mesa a todo instante ameaçava ruir e levar o aparelho com ela. Tanto a mesa quanto o rádio já mereciam aposentadoria. Sabedor que o Secretário de Segurança viria à sua sala para conversar com alguma autoridade do interior, pois o aparelho transmitia em Código Morse e também em fonia, Didica, com muito jeito, acabou de quebrar um dos pés da mesa, o que não foi muito difícil, pois os cupins já tinham tomado o móvel de assalto. Calçou a mesa a título precário, de modo que se alguém nela tocasse, tudo despencaria.
Chegou o Secretário e logo se abancou na cadeira para mandar o seu recado. Quando tocou com o sapato no pé da mesa, um barulho enorme se fez ouvir na Secretaria e rádio e mesa desabaram, justamente sobre o pobre do homem.
--Está vendo, secretário? Não foi por falta de aviso, disse Didica muito sério e com cara de espantado, ajudando a levantar a assustada autoridade. -- Já faz tempo que pedi para substituírem isso aqui e foi cair logo com o senhor!...
Na outra semana uma mesa nova e um aparelho reluzente, de modelo mais avançado, um Hallycraff S-50, ajudava o lampeiro Didica a enviar para as catarinas terras as suas mensagens.
2- O vidro quebrado.
Por volta de 1962, Didica ainda trabalhava como radiotelegrafista. Num final de semana ele estava de plantão. As paredes divisórias da Secretaria eram formadas por madeira e vidro, clareando e deixando o ambiente mais leve. O fato é que um desses vidros apareceu quebrado e ninguém conseguiu descobrir o autor da façanha. Feita uma investigação por um funcionário graduado, ele concluiu pela culpa do Didica, pois o fato acontecera no seu plantão. Como resultado, Didica foi punido com alguns dias de suspensão do trabalho, sem vencimento. Indignado, pegou a mulher e os filhos pequenos e foi até o Hotel Royal, na rua João Pinto, próximo dos galpões dos clubes de remo. Lá avisou o gerente que a mulher e os filhos iriam ficar ali, por conta da Secretaria, até terminar sua suspensão, pois sem salário não tinha condição de sustentá-los. É claro que o gerente não aceitou e o fato foi imediatamente comunicado ao Secretário. Este, que não sabia do ocorrido, após ouvir o Didica suspendeu o castigo, pois não havia provas conclusivas contra ele. Além do mais, ele não tinha realmente quebrado o vidro. Foi um modo "sui generis" que o baixinho encontrou para resolver o problema. Mas funcionou.
Didica relembra:
Eu gostava de jogar gato em cima do telhado. Pegava pelo rabo e jogava. Amarrava latas nos rabos dos cachorros, só para vê-los desesperados correndo morro abaixo. Eu devia ter uns doze anos, quando levei uma surra da mamãe com uma pá de polenta. Ela não me deixava tomar banho no mar, mas eu escapava. Acompanhava uns amigos da minha idade. Nós nos jogávamos das barcaças e do Miramar. Quando a mamãe me pegava com a camisa virada do avesso, não tinha dúvida que eu ia para a pá de polenta.
Mais tarde, eu e a Sarinha gazeávamos a aula para passear na praça. Dona Otília ficava doida.
Hoje, o que o Didica possui de mais sagrado em Mafra são a sua lareira e as suas lembranças. A esposa se foi para o infinito e ele casou outra vez, com a Rose. Passa as tardes no centro flanando, conversando, pois conhece todo mundo. Fica bebendo um chopinho, fumando... E de Mafra não mais sairá, nem para voltar à sua terra natal.
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1980. Enseada de Brito. Didica, a irmã Iolanda e o irmão gêmeo Ivo. Tio Ivinho faleceu em 1998, dois anos depois da morte da esposa Cacilda. Sentada a matriarca Lídia, que faleceu em 1994 com 96 anos.
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1980. Enseada de Brito. Didica, a irmã Iolanda e o irmão gêmeo Ivo. Tio Ivinho faleceu em 1998, dois anos depois da morte da esposa Cacilda. Sentada a matriarca Lídia, que faleceu em 1994 com 96 anos.
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Hoje, dia 21 de setembro, começa a primavera, e procurando o nada nesta internet que ficou nossas vidas, o que acho, o blog do Sr. Roberto, e me vejo com a Sarinha.
ResponderExcluirAgradeço orgulhoso por estar aqui nesta página, o Fábio Rodrigues já havia me falado, mas pensava que era brincadeira.Obrigado por me fazer parte deste documentário tão importante para muitas e várias pessoas desta família.
Como falava o seu Ido, um grande abraço.
Erico Silva