No dia 22 de novembro de 2012, dia do Livro, assumi a cadeira 36 da Academia representativa da nossa capital, Florianópolis, que antes de ser Floripa era denominada Nossa Senhora do Desterro, ou somente Desterro, título não de agrado de alguns. Acontece que o governador Hercílio Luz, para agradar o marechal Floriano Peixoto, propôs a mudança à Assembleia (1894). Mas famílias ilustres da capital, ligadas ao Império, foram fuziladas na Ilha de Anhatomirim por um preposto de Floriano, o coronel Moreira César. Daí que alguns historiadores não aceitam o nome Florianópolis. Nossa Academia relembra como era chamada a capital dos catarinenses.
Na fila de cima, da esquerda para a direita: Pilati, Isaque, Augusto Teodoro, Zanon e Nereu Na fila do meio: Telma, Roberto, Vera, Geraldo (sem balandrau), Hiamir, Maura e Osmarina. Sentados Leatrice, Augusto Coura, Kátia, Heralda, Vilca e padre Ney.
Aos caríssimos confrades e confreiras a minha saudação, no momento em que transpasso os umbrais do nobre sodalício. Entraram comigo Leatrice e Vilca.
Tenho como patrono da cadeira 36 o médico e poeta desterrense José Cândido de Lacerda Coutinho.
Excerto da oração acadêmica:
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Excerto da oração acadêmica:
Assumo hoje a cadeira 36, como
primeiro membro, neste castelo de honoráveis letras, que tem como patrono o
eminente médico e poeta José Cândido de Lacerda Coutinho, nascido em Desterro
em 15 de dezembro de 1842 e falecido no Rio de Janeiro, onde se radicou, em 02
de novembro de 1900. Lutou como alferes na guerra do Paraguai e no seu retorno
formou-se em Medicina em 1869. Sua formatura coincide com a publicação de sua
peça de teatro “Quem desdenha quer comprar”. Um ano antes publicara a comédia
“A casa para alugar”. Deputado provincial por Santa Catarina, exerceu seu nobre
ofício de médico por algum tempo em Desterro, onde também foi professor de
História, Português e Filosofia. Colaborou com a imprensa da ilha, sobretudo no
jornal “O despertador”. Seu primeiro trabalho poético, Greenhalg, é a exaltação
de um jovem oficial herói da Batalha do Riachuelo, obra que o tornou respeitado
no universo literário da época. Mas foi com o seu trabalho poético “Ovidianas’,
burilado à luz da imortal Metamorfoses, do grande poeta romano Públio Ovídio,
nascido no reinado do imperador romano César Augusto, na minha modesta
concepção, que o Doutor e poeta Lacerda Coutinho se superou. Logrei adquirir
num sebo virtual duas peças teatrais e esta magnífica ode poética. Ele maneja
uma constante melancolia, paradoxalmente com a sátira, que instrumentaliza sua
graça e verve especiais. Diz sobre esta obra o grande crítico literário e
escritor Tristão Alencar de Araripe Junior: “poemas deliciosos, em versos
escandidos com perfeição, que revelam o mestre da arte poética”.
As Ovidianas acontecem no Olimpo,
lugar sagrado de morada dos mitológicos deuses greco-romanos, onde a beleza e o
fino erotismo perscrutam e mesmo satirizam os desejos e vontades de divinos
personagens, como Vulcano, Minerva, Pã, Vênus, Júpiter, Mercúrio, e tantos
outros. São seis capítulos de versos decassílabos em rimas escorreitas, que
narram de forma sutil, erótica e intensa os amores nem sempre muito corretos
dos inquietos deuses.
Ladeando com Horácio Nunes Pires,
Duarte Paranhos Schuttel e Álvaro de Carvalho, podemos afirmar que José Cândido
Lacerda Coutinho é uma das personalidades literárias mais representativas do
romantismo em Santa Catarina. É também patrono da cadeira 23 da nossa
tradicional Academia Catarinense de Letras. Finalizando o relembrar de sua
memória, cito aqui um pequeno e belo quarteto decassílabo, que demonstra ser a
tristeza, talvez, a motivação maior para os poetas e seus versos, apesar das
alegrias aparentes e por vezes enganosas com que o mundo ilusório os encanta. O
Dr. Lacerda Coutinho não fugiu dela:
“Sei que despontas,
viração, que gemes,
Mata que tremes aos
suspiros seus.
Ave que saúda a
estação florida,
Falas da vida, mas eu
morro... adeus!”
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Nossa Academia tem como patrono o imortal João da Cruz e
Sousa, expoente maior da corrente simbolista da poesia no Brasil, e hoje o homenageamos com muita justiça e emoção. Nascido nesta terra em
24 de novembro de 1861, ele faleceu jovem, minado pela tuberculose, o mal dos
poetas no século dezenove. Sua chama findou-se a 19 de março de 1898 em Estação
do Sítio, um lugarejo das Minas Gerais. Sepultado no Rio de Janeiro, seus
restos mortais foram transladados para nossa terra em 2007 e repousam no
palácio que leva o seu nome, museu histórico de Santa Catarina. Seus versos
irretocáveis e belos o tornaram imortal, quando relembramos os cento e cinquenta e um anos de seu nascimento na bela Desterro. Termino esta oração com
um soneto dedicado a este grande poeta catarinense, a melhor e maior lira
simbolista, o nosso Paul Marie Verlaine brasileiro. São da lavra dele os dois
primeiros versos do primeiro e segundo quartetos:
“Crótão selvagem,
tinhorão lascivo,
planta mortal,
carnívora, sangrenta...”
Teu verso sempre a burilar tormenta,
teu estro sempre do sofrer cativo.
“Vozes velozes,
veludosas vozes,
volúpias de violões,
vozes veladas...”
Sabias ser também doce alvorada
a solfejar teu canto em meigas doses.
O tempo-sofrimento foi passando,
e aos trinta e seis surgiu o fim da via,
a lira magistral, triste, apagando.
O Cisne Negro, trovão, melodia,
cruzou a terra a caminhar, penando.
restando apenas a tumba e a poesia.
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