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Vinha eu dirigindo com certa velocidade por uma das ruas da Bela Vista quando ouvi, entrecortada, a outrora tão popular música Lampião de gás(*). Diminuí a marcha até parar para captar aquela melodia que me deu a impressão de vir de outro mundo:
Lampião de Gás
Lampião de gás, lampião de gás Quanta saudade você me traz
Da sua luzinha verde azulada Que iluminava minha janela, Do almofadinha lá na calçada, Palheta branca, calça apertada
Do bilboquê, do diabolô, "Me dá foguinho", "vai no vizinho" De pular corda, brincar de roda, De Benjamim, Jagunço e Chiquinho
Lampião de gás, lampião de gás Quanta saudade você me traz
Do bonde aberto, do carvoeiro Do vassoureiro com seu pregão Da vovozinha, muito branquinha, Fazendo roscas, sequilhos e pão
Da garoinha fria, fininha, Escorregando pela vidraça, Do sabugueiro grande e cheiroso, Lá do quintal da rua da Graça
Lampião de gás, lampião de gás Quanta saudade você me traz
Da minha São Paulo, calma e serena, Que era pequena, mas grande demais! Agora cresceu, mas tudo morreu... Lampião de gás que saudade me traz.
E pensei: meu Deus! Que diferença! Que cidade paradisíaca em comparação com a de hoje, uma infinidade de moradores de rua, sendo muitos deles capazes; cidade que não dorme, com uma zoeira das mais poluentes aos ouvidos; cidade onde perambulam drogados, criminosos, prostitutas e ladrões; com os rolezinhos e os rolezões.
Cidade onde grassam as leis idiotas, os impostos escorchantes, as multas e os radares rapinando os bolsos dos cidadãos; onde os homens se tornam cada vez mais decadentes e toscos; as crianças que muito prematuramente perdem a inocência não sonham mais; as pessoas que, embora amontoadas e se acotovelando, vivem num imenso anonimato.
Como o desencaixe social é total, as pessoas se movem como robôs numa espécie escravidão àquilo que o vulgo vem chamando de ‘agito’, embora o sujeito ‘senhor’ seja oculto, cada vez toma mais vulto à maneira de um trem fantasma...
Para minha alegria, e, certamente de outros eu ouvia a música ali parado diante de uma janela... Quando terminou, resolvi gritar? – Quem está ouvindo música? Apareceu um jovem que me retrucou: – Sou eu. Ouvi nainternet e gostei. Baixei-a e estou ouvindo no computador. Gosto muito dela, pois me ajuda a fugir dessa cidade infernal.
– Concordo com você, respondi. Por favor, me faz a caridade de copiá-la no meu Pen Drive? – Claro, amigo, é pra já!
(*) Composta por Zica Bergami em 1957, a valsinha que cantava as saudades de uma São Paulo que ficou para trás com a modernização e o crescimento da metrópole virou sucesso nacional ao ser gravada por Inezita Barroso no ano seguinte. Desde então, foi regravada por inúmeros artistas. Mesmo com seu incontestável DNA paulistano, a canção se tornou conhecida em todo o Brasil.
(*) Marcos Luiz Garcia é escritor e colaborador da ABIM.
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