Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



sexta-feira, 21 de maio de 2010

A voz do século que passou.



5 de Maio de 1935.


Como o soldado que embrenhado na solidão da matta, no silencio sepulchral da noite, vae cauteloso, render no quarto de vigilia, o sentinella perdido nos pontos mais avançados, assim o novo seculo escalado para render ao velho seculo de existencia gloriosa da Força Publica chegou, e já está no seu posto de guarda.


Alguem o teria percebido? Talvez...


Florianopolis ainda não tem vida nocturna. Á hora em que o novo seculo chegou, á mysteriosa hora vinte e quatro, a cidade inteira dormia, pois, raramente perambula pelas ruas nos dias communs, qualquer bohemio ou noctivago romantico enamorado pelo luar, ou transita um retardatario, despertando a aguçada curiosidade dos olhares investigadores dos policiaes das patrulhas.


Por isso, o seculo não precisaria ter grande cautela para não ser percebido.


Nas adjacencias do quartel, na praça que lhe fica fronteiriça, tudo era silencio. O sentinella das armas, postado no portão principal, erecto no seu posto, tinha, naquele ambiente de paz e silencio, algo de magestoso: dir-se-ia que era elle quem regia, impunha toda aquella quietitude aos seres, aquella serena paz na natureza.


De repente, ouviu-se um estálido forte, produzido por uma brusca pancada na bandoleira de um fuzil. O sentinella estava agora, mais erecto e firme ainda, de arma apresentada, em continencia a alguem que passava.


Mas, quem poderia estar passando por alli, aquella hora, na noite silente?


E o soldado lá estava firme no seu posto de guarda, arma apresentada, gesticulando, fallando com alguem, cujo vulto não era percebido.

Somnambulismo? Talvez sim; talvez não...

- Sentinella, quem passou por aqui, merecedor da continencia que acabas de prestar?

- Foi o seculo que passou...

- O seculo?...

- Sim, ele passou, e eu o percebi, mais realmente do que na imaginação do miliciano catharinense, orgulhoso e feliz pelo grato acontecimento que hoje commemoramos. O seculo apresentou-se-me na imagem de um ancião, de aspecto tão veneravel que a minha alma se commoveu, possuida do mais alto e sincero sentimento de respeito. Si eu fôra pisano, teria beijado soffregamente as mãos tremulas do ancião, como o fazia quando creança, mas, soldado que sou, sentinella no posto de guarda, não lhe pude exprimir de outra maneira todo o meu respeito, sinão apresentando-lhe armas.


- Sentinella, que te disse o ancião?


- O velho seculo descortinou, aos meus olhos deslumbrados, todo o passado glorioso de nossa Corporação; falou-me do patriotico sacrificio de nossos bravos soldados em beneficio do Estado e da Nação. Asseverou-me que uma corôa de viridentes louros engrinalda a fronte dos milicianos sacrificados no cumprimento dos seus deveres, e que os nomes desses bravos foram inscriptos em lettras de oiro nas paginas rutilantes do grande livro da Historia patria. Disse-me finalmente, da abnegação dos que mourejam com a nossa caserna, envergando a nobre farda do miliciano catharinense, e que representa fiel salvaguarda das leis e forte garantia da ordem, tudo fazendo pelo engrandecimento do Estado e felicidade do Brasil.


A cidade dorme. Os milicianos sempre a postos, velam por toda parte o somno confortador da nobre gente que trabalha pelo progresso do abençoado rincão catharinense.


O seculo passou, deixando-nos como legado uma tradicção de honra e civismo.


Sentinella! Sentido! O echo está repetindo a voz do seculo que passou.


Florianopolis, 6 de maio de 1935.


ILDEFONSO JUVENAL.

Segundo Tenente Pharmaceutico.

(Membro correspondente do Centro de Lettras do Paraná e da Academia Riograndense de Lettras).


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Esta magnífica mensagem do tenente Ildefonso Juvenal inicia o Livro comemorativo dos cem anos da Força Publica Catharinense, hoje Polícia Militar, quando era seu comandante geral o coronel Cantídio Quintino Régis.


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