Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



domingo, 1 de agosto de 2010

Tiroteio de um tiro!

João, que nunca pegara uma arma, resolve dar um tiro no coqueiro!...
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João chega em casa de noite. Vem cansado do serviço no Banco. Conseguira antes dar uma passada no ateliê da Teresinha Aquino para dar uns retoques numa tela. Será artista plástico de renome, acredita esperançoso. Enquanto a fama não chega, mora ali com Pedro, o cunhado que é cabo da PM e a irmã Marina. Esta quer porque quer casá-lo com a amiga Mafalda, que já namora o João há bem uns sete anos.
-- Estás empatando a moça, dizia ela de quando em vez. -- Assume logo, seu medroso!
Mas ele ainda não decidira, até porque a pressa nesses casos não é boa conselheira. Gostava mesmo da Mafalda, mas ela tinha um gênio!...
Quando chegou, procurou pela mana e pelo cunhado, mas ninguém estava em casa. Viu sobre a cômoda da sala-de-estar o revólver do Pedro no seu coldre. Sempre tivera curiosidade de pegar o trinta e oito e dar pelo menos alguns tiros, mas o cunhado não deixava. Porém, agora que estava só, quem sabe...
Criou coragem e pegou a arma com cuidado, um certo medo até. Vai para os fundos da casa, onde um coqueiro de tronco bem forte sobressai na escuridão, somente aliviada pelas luzes dos postes e das casas. Aponta para a árvore e se sente o dono do pedaço. Nunca fizera aquilo na vida, mas não custava tentar. Aperta o gatilho, e logo dispara um tiro no pobre do coqueiro, dando uma baita gatilhada. O estampido fez o João pular para trás pois, no barulho da noite, o estouro lhe provocara um enorme cagaço. Volta à sala e deixa a arma onde estava. Não queria mais dar tiro, pois até o barulho o assustara. Resolve deixar o pobre do coqueiro em paz. Prepara um sanduíche de pão com mortadela e vai comer na frente da tevê. Um suco de laranja faz com que não fique embuchado. É quando começa a ouvir uma serie de sirenes e vê a polícia chegar a toda na casa ao lado, da dona Xinoca.
A confusão dura bastante tempo, com policiais correndo para um lado e outro, até as viaturas desistirem e voltarem às suas bases. João permaneceu em casa bem quieto até o silêncio voltar com força.
Uma hora depois a irmã chegou com o marido. Comeram alguma coisa e foram dormir, pois o trabalho os esperava já bem cedo. Mais um dia de banco, de passadinha no ateliê para usar os pincéis na sua tela. João chega novamente em casa na sua rotina modorrenta, e encontra a dona Xinoca no muro.
-- Olha, João, diz ela parando o rapaz. -- Ontem deu um tiroteio danado aqui. Tu não ouviste?
-- Não, senhora. Mas foi tiroteio mesmo?
-- Se foi, cristão. Uma bala entrou na minha cozinha e foi se alojar bem na porta de cima da geladeira. Se eu estivesse ali abrindo a cuja, o tiro ia me pegar bem na cabeça ou no quengo do Geraldo. Olha, João, a coisa tá feia. Isso aqui era um lugar tranquilo, mas agora... Eu logo chamei a polícia, pois ouvi na tevê que as quadrilhas brigam entre si e disparam balas pra todo lado. Acho que era isso mesmo que aconteceu ontem.
João quieto ficou, fez cara de espanto e a dona Xinoca se foi. Ele se dirigiu ao coqueiro e constatou, apalermado, que depois da árvore havia um muro, e depois do muro a janela da cozinha da dona Xinoca, e depois da janela a geladeira aparecia com toda a sua parte de cima. Procura achar um buraco no coqueiro, mas nada. O tiro que pegou na geladeira foi o dele, calcula já pálido pela desgraça que poderia ter provocado.
Mas daí a dizer que houve um tiroteio!... Como a dona Xinoca era exagerada!..
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Sueli, a distraída.

Sueli está com pressa. Olha o relógio e balança a cabeça com impaciência. Já devia estar na universidade federal, na Trindade. O ônibus demora. Talvez perca a primeira aula da tarde.
Mas eis que finalmente o coletivo se apresenta. Ela faz sinal com a mão e logo sobe, colocando-se na poltrona à frente. O motorista pergunta onde quer ficar e ela responde.
-- Na universidade, moço.
O homem faz sinal de positivo e presta atenção no movimento à frente. E quando a Sueli começa a olhar para os lados e só vê uma homarada de farda cáqui. Todos com algum instrumento de banda na mão, como pistons, clarinetes e outros de aspecto mais complicado. Tem um que até assopra uma tuba, acompanhando o barulho soturno e grave com um bater de pés. Ela se afunda mais na poltrona e deixa correr. Quando finalmente o ônibus chega na universidade, ela levanta e se dispõe a dar um passe escolar para o motorista, pois observara que não havia catraca nem cobrador.
-- Não precisa não, dona. -- responde ele com um sorriso maroto. -- Mas da próxima vez vê se não manda parar o ônibus da Banda da Polícia. Pega o de linha.
Ela, muito envergonhada, agradece com um sorriso amarelo e sai de fininho. Viu ainda os músicos lhe mandarem das janelas um tchau amistoso e divertido, que retribuiu sem graça!
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Sueli está passando na rua Felipe Schmidt, bem no centro de Floripa capital. Pára e se põe a olhar confecções femininas expostas numa vitrine de loja. Afasta-se um pouco e vê atrás de si, pelo espelho de vidro, a irmã Janete.
-- Oi, mana! - cumprimenta ela com um sorriso. Volta-se para beijar a irmã e vê que não há ninguém. Dá nova meia-volta e só aí repara que cumprimentou a si própria. Procura ver se ninguém observou a cena surrealista e vai embora bem rápido.
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De outra feita, rumou até o Itacorubi onde participaria do velório de uma amiga que se fora para as bandas do além. Entra contrita, devagar, posta-se ao lado do caixão e começa a rezar, lacrimejando. Um amigo que a viu entrar, vai até ela e diz bem baixinho que o velório da amiga é na saleta ao lado. Sueli levanta os olhos e logo percebe que o defunto é outro! E é homem! Sai bem de fininho e entra na saleta certa!
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Sueli entrou numa loja para comprar uma calça jens. Acerca-se da atendente e pergunta pelo preço da calça que escolhera na vitrine. A moça não lhe dá bola e continua imóvel.
--Que desaforo! -- resmunga ela. -- Tu não tens boca pra falar?...
A mulher continua imóvel, como que zombando dela. Aperta a bolsa contra o peito e se dirige para a porta. Estava fula com o péssimo atendimento. Talvez até voltasse e fosse se queixar para o gerente.
E é isso que resolve fazer, num rompante de indignação. Quando passa pela mesma moça e continua a vê-la imóvel, observa mais de perto e constata que ficara brava com um manequim. Deu meia-volta e desistiu da compra.
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Sueli vai ao cinema. A sessão começa e as luzes estão se apagando suavemente. Eis que chega uma conhecida e lhe pede que sente na cadeira ao lado. Ela atende o pedido e senta com tudo na poltrona. Está agora ao lado de um senhor idoso. Mas quando senta vê que enfiou o traseiro num objeto até que duro, que lhe pareceu ter sido furado, pois fizera um barulhinho sibilante de vento. Pega-o na mão e percebe, assustada, que era o chapéu de feltro do senhor ao lado. Este, que já notara a cena, pega asperamente o chapéu e com a mão em soco procura fazê-lo voltar ao normal, com batidinhas regulares. Sueli se prostrou na cadeira e não conseguiu mais ver o filme, pois o velhinho zangado permaneceu no mesmo lugar, mexendo na chapéu e olhando para a tela já sem interesse. De vez em quando lançava à pobre moça um olhar furibundo.
Quando a sessão acabou, Sueli correu para a rua e foi embora. Nunca mais cruzou com o irritado velhinho.
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Um comentário:

  1. Eu conheço estes traços!
    Ficou lindo mãezinha!
    Beijocas a todos - Mana - Bnu

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