Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



quarta-feira, 30 de maio de 2012

Contra toda esperança VIII.


Martha debaixo da chuva.
Todas as noites pensava na minha família e pedia a Deus que não deixasse o carcereiro me esmagar espiritualmente.
O 5 de setembro de 1962 amanheceu cinzento e chuvoso. Nos dias anteriores as chuvaradas tinham sido frequentes. Mal sabia eu que a visita mais importante da minha vida aconteceria ali, pois viria conhecer minha futura esposa. O esforço dela me tiraria do cárcere, 22  anos depois de preso.
Pelas onze horas da manhã a maioria dos familiares dos presos já estava dentro do presídio. Mas meus parentes e os de outros presos não apareciam. Saberíamos depois que dois dias antes, quando estavam a bordo do barco que os levaria do porto de Batabanó até a ilha de Pinos, foram obrigados a descer para que o barco transportasse soldados e mantimentos.
Estava angustiado quando um comerciante, Benito Lopez, preso unicamente por ter se manifestado contra o comunismo, chamou-me para me apresentar a família dele.
Apresentou-me a esposa e a filha mais nova, dizendo que eu o ajudara muito na prisão. Diante dos meus olhos estava uma linda garota de uns quinze anos. alta, elegante, de rosto gentil e meigo. Seus olhos refletiam uma vontade firme, misto de ternura e coragem. Perguntei sobre meus pais e minha irmã e eles me disseram que viriam, mesmo atrasados. Fiquei com eles, então, até que os meus chegassem.
De repente começou a chover e não tínhamos abrigo. Estávamos no pátio e os guardas não nos deixaram entrar. Ficamos logo encharcados. Depois de mil pedidos permitiram que fôssemos ao refeitório, mas já estávamos todos molhados. Martha e eu nos sentamos um diante do outro, numa mesa estreita. Ela estava com os cabelos escorrendo e usava um vestidinho claro já grudado ao corpo. Nossa conversa foi trivial, mas inesquecível para os dois. Era como se tivéssemos sido amigos a vida toda.  
Ela com quatorze anos e eu com vinte e quatro. Cansada, cruzou os braços sobre a mesa e se inclinou sobre eles. Logo adormeceu, enquanto seu futuro marido a olhava encantado. Talvez até, se meus parentes não estivessem atrasados, eu não a teria conhecido.
Quando ela acordou ficou meio sem jeito e me pediu desculpas. Rimos juntos, felizes.
Meia hora antes de terminar a visita chegaram minha mãe e minha irmã. Os carcereiros não permitiram que elas me entregassem um pacote, talvez com comida. Estavam molhadas, pois tinham feito a viagem debaixo de chuva.
Quando aquele militar subiu em uma das mesas e começou a gritar que todos fizessem silêncio,  eu sabia o que isso significava.
- Acabou a visita. Saiiindoooo!...    
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Armando Valladares foi condenado a 22 anos por Castro, em um julgamento farsa, por discordar do regime. Fundamentaram um processo sumário em que ele teria fabricado bombas e feito sabotagem. Já se iam 22 anos e nada de soltá-lo, como é comum em Cuba. Martha, a esposa, fez campanhas internacionais e Miterrand pediu que Castro o soltasse. Ele, já poeta consagrado, pois Martha publicara seus poemas no exterior, foi expulso do país natal e não pode voltar enquanto durar o regime do tirano abjeto. Naturalizado americano, foi embaixador de Ronald Reagan na ONU. Condena, apesar de católico, o colaboracionismo da Igreja em Cuba com o regime, apesar de Fidel não permitir que católicos, espécie de segunda categoria na ilha, exceto Frei Betto e Dom Arns, ingressem no Partido Comunista cubano.
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