Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



segunda-feira, 23 de julho de 2012

SILVEIRA JUNIOR


Jornalista e escritor Norberto Cândido Silveira Junior, nascido em 17 de maio de 1917 no Balneário de Piçarras, próximo de Itajaí, e falecido em Florianópolis a 03 de dezembro de 1990. Foi titular da cadeira 2 da Academia Catarinense de Letras.
********************
Conheci Silveira Junior no Palácio do Governo em 1975, na administração do governador catarinense Antônio Carlos Konder Reis. Ele era assessor especial do grande político.
Figura ímpar, de cultura enciclopédica, embora não fosse detentor de diplomas. Um grande homem que aprendi a respeitar e admirar em razão da grandeza de sua alma, tudo aliado a uma simplicidade quase ingênua, humilde que era. Homem de caráter reto e integridade exemplar.
Honrava-me quando ele me chamava de amigo. Não acreditava em Deus, ou melhor, possuía dúvidas quase insuplantáveis. Disse-me pensativo que somente poderia saber depois de estar em outra dimensão. Mas afirmo que ele está ao lado de Deus, pois se conduziu na terra como homem justo. Faleceu com a idade de 73 anos.
********************
Obras:
História de Itajaí - 1949 - Edição do autor.
História de Itajaí - 1972 - Editora Escalibur - SP.
Um brasileiro nos EUA - 1962 - Editora Tecnoprint - RJ.
Memórias de um menino pobre - 1973 - Co-edição Udesc/ Editora Lunardelli. Fpolis.
Confissões de uma filha do século (romance) - 1982 - Editora Lunardelli. Fpolis.
Depois do juízo final (romance) - 1983 - Editora Global - SP.
Mil notícias culturais - 1985 - Editora Lunardelli - Fpolis.
Cristianismo e Justiça - 1972 - Edição do autor.
Nossa guerra contra a Alemanha (romance) - 1988 - Editora Lunardelli - Fpolis.
Contos, crônicas e narrativas.
********************
Detenho-me nos dois livros que mais me comoveram e deliciaram.
Nossa guerra com a Alemanha:
O livro tem em seu preâmbulo a seguinte nota, bastante esclarecedora:
"Santa Catarina deve grande parte do seu progresso à colonização alemã. Por isso nem parecia que houvesse um tempo na nossa história que esta gente, que já estava diluída na terceira e quarta geração, fosse acoimada de traidora do Brasil, apenas porque tinha sobrenomes como Müller, Schroeder, Schneider ou Zimmermann. Eles nasceram no Brasil e não tinham culpa de trazerem estes sobrenomes ancestrais. Mas o nosso xenofobismo não os poupou. E por isso, democratas e patriotas, que hoje são exemplos de cidadãos do mundo, não se pejaram de inflingir a esta pobre gente a mais humilhante punição por crimes putativos que eles, na verdade, nunca praticaram.
Este livro pretende trazer um pouco de luz sobre estes episódios que aconteceram há mais de quarenta anos e resgatar parte da nossa dívida de gratidão para com aqueles que atravessaram o Atlântico para crescerem e prosperarem conosco. (Silveira Junior)"
********************
O livro narra a vida atribulada do alemão Vitoldo e a esposa Brune. Com a segunda guerra mundial, que exporia Hitler como um dos genocidas do século vinte, os alemães e seus descendentes foram até proibidos de falar a língua-mãe. Alguns nem sequer sabiam falar o português. Autoridades como o delegado Justino, que prendeu Vitoldo e se aproveitou da ingenuidade da esposa, faziam a lei naquela região. Tanto que Vitoldo teve um filho louro e uma filha morena, esta fruto das investidas do delegado contra Brune enquanto o pobre alemão estava na cadeia. O livro se refere à Noite dos tambores silenciosos em Jaraguá do Sul, município próximo de Blumenau, quando colonos desarmados foram atacados a tiros pela polícia, morrendo dois e sendo feridos vários. A única motivação era o ódio aos alemães do Vale, taxados de nazistas. Um agente da lei dispara três balas contra o jovem e culto Ricardo Greenwaldt, em sua residência, matando-o sem motivo aparente, crime até hoje sem punição. Colonos eram obrigados a beber óleo de rícino e até óleo diesel, pelo simples fato de terem origem alemã e serem considerados "capangas de Adolf Hitler". Pobre gente!
O livro resgata a injustiça cometida contra esta gente laboriosa e ordeira, que com seu trabalho veio trazer progresso para o fértil e belo vale do Itajaí e outras regiões catarinenses.
********************
Nossa guerra contra a Alemanha.
********************
Memórias de um menino pobre.
O livro mais belo e comovente de Silveira Junior. Verdadeiro hino ao universo telúrico e simples do vale do rio Itajaí-açú. É autobiográfico. Narra a vida difícil e pobre do autor e sua família no sub-distrito de Rio Branco, distrito de Bananal, na época pertencente ao município de Joinville e que hoje se denomina Guaramirim, próspero município barriga-verde.
Limito-me a citar alguns trechos do livro, cuja análise não se faz necessária, pois a prosa fluente e melódica do autor fará com que meus leitores melhor o compreendam e se encantem. Sua linguagem é terna e saborosa.
********************
Eu tive uma infância povoada de temores e angústias. Que medo que o professor Cantalício me desse na cabeça com aquela régua de metro; que medo que o padre viesse rezar na nossa capela e voltasse a falar do inferno; que medo do inferno, que era todo de fogo, com demônios que tinham setas na cauda; que medo que na curva do seu Zé Jacinto aparecesse a mula-sem-cabeça; que medo que o seu Dodô voltasse, mesmo depois de haver morrido; que medo que uma enorme trombeta aparecesse nas nuvens anunciando o fim dos tempos; que medo, que medo, que medo...
********************
Tenho uma lembrança penosíssima de meu pai, agonizando de um enfizema pulmonar, perguntando à minha mãe: quando é que Deus vem me buscar? E sei que no dia da sua morte o jasmineiro de nossa casa estava florido. Até hoje ligo o perfume ativo dessa flor ao cadáver de meu pai, estendido na sala com um lençol por cima.
********************
Nasci em 1917 no atual município de Piçarras, que naquele tempo pertencia a Itajaí. Mas de nada me lembro do lugarejo de São Braz, que abandonei com pouco mais de dois anos. Todas as reminiscências de minha infância, o palco é Rio Branco, um lugarzinho que hoje pertence ao município de Guaramirim, mas que naquele tempo compunha o distrito do Bananal, parte integrante do território do então imenso município de Joinville.
********************
E qual não foi o pânico do velho Bruda quando, numa madrugada, ao levantar para fazer uma necessidade, viu alçar voo da caminha da neta nada menos que um monstruoso morcego, transmissor da raiva bovina. Aproximou o lume da criança e, na penumbra, descobriu a marca vermelha dos dentes do morcego e um tênue filete de sangue escorrendo do pescoço da menina. E não sei quantos dias se passaram até que a pobre criança entrou em delírio e foi consumida nos espasmos da terrível moléstia. Vovô Bruda abriu a mangueira, soltou os animais no campo e, também ele, desvairado, meteu-se pela mata adentro que contornava o morro dos fundos de sua propriedade. Dias depois os corvos denunciaram a sua presença, balançando-se sinistramente, dependurado num laço de cipó-imbé,
********************
Mamãe era quase analfabeta, mas perdia horas ouvindo alguém lendo um livro, cujo enredo ela nunca mais esquecia. Foi assim que ela me contou as aventuras de Robinson Crusoé, de Defoe, e Escrava Isaura de Bernardo Guimarães. Mais tarde, quando li estas obras, admirei-me da fidelidade da narrativa de mamãe.
********************
Eu tinha um grande prestígio junto ao Dato Piazera porque ele namorava a minha irmã Rosa.
********************

Dato Piazera transformou o pátio da capela numa penumbra dourada, de onde recendia um cheiro gostoso de carne seca assada. Dato gostava de soltar foguetes e deixava o céu ficar coalhado deles, para alegria do pequeno Norberto.
********************
Aliás, eu gostava das novenas oficiadas pelo seu Antônio Reinert, que sabia cantar a ladainha em latim. Ele puxava as rezas que diziam coisas assim: Regina vírgula, vírgula. Regina infirmoru. Regina apostoloru. Regina martiró. Regina santoru omi...
E havia também uma coisa muito complicada que seu Antônio dizia: Regina sine-labioriginali-conceta... E a cada uma dessas invocações nós respondíamos em coro: Orai por nobres!...
Isso era a novena. Mas a cada mês vinha de Massaranduba ou Jaraguá, já não sei ao certo, um padre para rezar missa. E essa missa me apavorava, desde o dia em que o bom sacerdote descreveu para nós como era o inferno, para o qual iam todos aqueles que morriam em pecado mortal. Dizia que o inferno era um lugar de fogo e enxofre, para onde vão os meninos que praticam coisas feias com as namoradas, os que ofendem o Espírito Santo em pensamentos, palavras e atos... Intimamente eu me enquadrava em todos aqueles pecados mortais. Quando o padre terminou aquele sermão, o meu pavor era de tal ordem, que tive medo de enlouquecer. Saí correndo para casa e contei à mamãe o que o padre havia dito. Ela me liberou da frequência aos atos religiosos com estas palavras: O Deus que eles pregam é muito ruim. Se vocês vão à missa para ouvir essas coisas, de hoje em diante ninguém mais é obrigado a frequentar missas. Estes comentários de mamãe constituíram um marco em minha vida. E a partir daí tornei-me um homem sem religião, embora estudioso das coisas do espírito. Nunca tomei a primeira comunhão e a partir dessa omissão original, nunca frequentei a Mesa Eucarística.
********************
Ainda sobre a fauna da nossa escola, não posso esquecer um filho adotivo da sinha Cardosa, que era tatibitate e tinha o lábio leporino. O apelido dele era porco-da-índia. Como ele não podia pronunciar o C nem o G, ele falava vou pra 'asa, fi'ei de 'asti'o (fiquei de castigo), mas também era um rapaz muito mau e desbocado. Uma vez quebrou um tinteiro na cabeça do Pacífico e continuou desafiando: Me 'hama de por'o-da- índía a'ora, seu 'orno, me 'hama 'e eu te parto a 'ara.
E a verdade é que nós passamos a respeitá-lo...
Na escola éramos meninos tímidos, muito bem comportados. Nunca discutíamos nem ao menos conversávamos com nosso mestre. Mas quando saíamos das suas vistas éramos um bando de javalis soltos; grosseiros, rústicos, desbocados.
********************
Eu seguiria, certamente, o mesmo destino de meus irmãos mais velhos, que foram para a cidade em busca de dias melhores. Em Joinville José, o meu irmão mais velho, conseguira para mim um modesto lugar de caixeiro num armazém. E chegou o dia em que ele veio buscar-me. Naquele dia não pude mais soltar a palavra. Um nó se instalou na minha garganta. E eu queria passar por valente e não chorar. E foi nessa angústia que me afastei de minha pobre casa e da minha família tão triste e sofrida, rumo a Bananal, onde, acompanhado de meu irmão José, peguei o trem de ferro que me levaria para a grande aventura urbana que vivo discretamente até hoje. Era no dia de Santo Antônio...
********************
Presto assim homenagem a este primoroso homem das letras, que leu minhas garatujas poéticas um dia e tanto me incentivou. Que esteja ao lado do Deus que sempre acreditou, embora fosse instado a não fazê-lo diante de um contexto e de uma época.
********************
Igrejinha de Nossa Senhora do Rosário da Enseada de Brito.
********************

Um comentário:

  1. Roberto, convivi com o Norberto Silveira Junior e tenho até hoje boas lembranças dele.Eu era Secretária das Câmaras do Conselho Estadual de Cultura,onde fiquei 8 anos, portanto, dois governos.À época o secretário era o Deputado Júlio Cesar, de Itajai, depois foi o Salomão Ribas, por quem também tenho um carinho especial e somos confrades no Instituto Histórico. Em repartição pública se dá um jeitinho de conversar e tomar um café e eu ia à sua sala (ele sempre escrevendo algum oficio ou algum texto em prosa).Silveira Junior me falava de sua angústia sobre a espiritualidade. Estava iniciando nas coisas do Espírito, pois tinha como chefe Osvaldo Ferreira de Melo, filho do jornalista Osvaldo Melo, cujo Centro Amor e Humildade do Apóstolo é conhecido como Centro do Osvaldo Melo.Pois bem, naquela época, anos 80, comecei a ler a literatura espírita e adquirir obras que um representante de uma Livraria Espírita(Lake) ia vender pro Osvaldo e comecei a comprar a cada 2 meses.Fiquei com uma boa biblioteca, mas fui doando quando me pediam, após a leitura a obra seguia o caminho para outros lares ou outras estantes. Doei muitas obras para a Biblioteca do "Centro do Osvaldo Melo" e também para uma moça que trabalhava no Colégio Joaquim Santiago onde fui Supervisora por dois anos; ela estava montando uma biblioteca de referência em obras sobre espiritualidade.
    Então, Silveira Junior, que eu sabia não ser formado em faculdade nenhuma, sinceramente, dava um banho na escrita.
    Sinto saudades dele. Quando Dalirio Beber leu a minha coluna na Folha de Coqueiros, em que eu publicava mini-biografias de autores catarinenses, ligou para mim. Não conhecia este senhor e agora vejo que ele ocupa um cargo no governo.
    Pois bem, voltemos ao nosso biografado. Saiste muito bem falando sobre este lado humano do nosso Silveira. Homens assim deixam marcas e lá do outro lado deve estar também se lembrando de nós que aqui ficamos com saudade.
    abraços
    maura

    ResponderExcluir