Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



quarta-feira, 1 de maio de 2013

ADUBO PORTUGUÊS..



O ano é 1934. Dom Tancredo, o Lavrador, Presidente da Junta Corporativa dos Sindicatos Reunidos do Alentejo, região de Portugal, faz petição ao Ministro da Agricultura, pedindo adubo. Não aquele adubo químico ou inventado que se usa hoje, mas adubo mesmo, feito de excrementos de animais, para fertilizar as terras fracas da província. Governava Portugal o ditador Oliveira Salasar, que dirigiu os destinos da lusitana nação de 1932 a 1968. O texto, porém, mostra que o ditador não era tão ditador assim, pois se o fosse, a carta não seria escrita com tanta ênfase e folga. Imaginem a Yoani Sanchez se dirigindo a Fidel nesses termos. Iria no mínimo para o paredon. Não foi o que aconteceu com Dom Tancredo. O interessante da petição é que ela foi feita em verso. E Dom Tancredo tinha, na verdade, bom conhecimento da métrica e da rima. Vejamos;

Ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Agricultura.
PETIÇÃO:

Senhor, em vão esta província inteira
desmoita, lavra, atalha a sementeira,
suando até a fralda da camisa.

Falta a matéria orgânica precisa
na terra, que é delgada e sempre fraca.
A matéria em questão chama-se cáca.

Precisamos de merda, Senhor Soisa,
e nunca precisamos de outra coisa.

Se os membros desse ilustre Ministério
querem tomar o nosso caso a sério,
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade.
E mijem-nos também, por caridade.

O Senhor Oliveira Salasar,
quando tiver vontade de cagar,
venha até nós, solícito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado,
e como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho.

A nação confiou-lhe os seus destinos;
então comprima, aperte os intestinos.
Se lhe escapar um traque , não se importe.
Quem sabe, se o cheirá-lo, nos dá sorte.

Quantos porão as suas esperanças
num traque do Ministro das Finanças?
E quem viver afeito, sem recursos,
já não distingue os traques dos discursos.

Não precisa falar, tenha certeza 
que a nossa maior fonte de riqueza,
desde as grandes herdades às courelas,
provém da merda que juntarmos nelas.

Precisamos de merda, Senhor Soisa,
e nunca precisamos de outra coisa.

Adubos de potassa, cal, azote°...
Tragam-nos merda pura de bispote.
E todos os penicos portugueses,
durante, pelo menos, uns seis meses,
sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente nos despejem a trampa.

Terras alentejanas, terras nuas,
desespero de arados e charruas.
Quem as compra ou arrenda, ou quem as herda,
sente a paixão nostálgica da merda.

Precisamos de adubo, Senhor Soisa,
e nunca precisamos de outra coisa.

Ah, merda grossa e fina, merda boa,
das inúteis retretas de Lisboa.
Como é triste saber que todos vós
andais cagando sem pensar em nós!

Se querem fomentar a agricultura,
mandem vir muita gente com soltura.
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala.

Venham todas as merdas, à vontade,
não faremos questão da qualidade.
Formas normais ou formas esquisitas.
E desde o cagalhão às caganitas.
Desde a pequena pôia à grande bosta,
de tudo que vier a gente gosta.

Precisamos de merda, Senhor Soisa,
e nunca precisamos de outra coisa.

Évora, 18 de Fevereiro de 1934.
Pela Junta Corporativa dos Sindicatos Reunidos do Norte, Centro e Sul do Alentejo.
O Presidente,
Dom Tancredo, o Lavrador.

(Este documento, escrito à mão com caligrafia quase perfeita e bela, encontra-se no museu do Alentejo, com a ortografia daquela época. Passei-a para o vernáculo atual, para comodidade de meus seletos leitores).
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