Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



quinta-feira, 13 de maio de 2010

A EsFO - Escola de Formação de Oficiais.

Conjunto Cmt Petters, inaugurado em 1967. Dois alojamentos, duas salas- de-aula e secretaria.

Escola de Oficiais desfilando em Agosto de 1968 para o governador Ivo Silveira no Palácio do Governo, hoje museu Cruz e Souza. Sou o penúltimo da direita.

Março de 1967. Vinte e quatro jovens mais temerosos que coelhos, na faixa dos dezessete aos vinte anos, ingressaram no Centro de Instrução Policial Militar da Trindade, na ilha Floripa, para tentar a carreira de Oficial, aprovados que foram num concurso público até bem diferente dos de hoje. Se em todas essas histórias eu cometer algumas impropriedades, peço que meus amigos leitores que lá comigo conviveram me corrijam.

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Tudo iniciou numa manhã de segunda-feira e um mundaréu de gente. Prova de Português e seus derivados. Redação, gramática, textos. Acabada a prova, mandaram-nos voltar no outro dia. Os do interior podiam almoçar e ficar por ali. Oficiais, na maioria capitães e tenentes, tinham a tarde e a noite para corrigir todas aquelas provas. E assim foi. No outro dia de manhã, o mundaréu se dividiu em dois. Aprovados e reprovados. E lá vem a Matemática. Na outra manhã vão embora os reprovados e ficam os felizes para as Histórias daqui e do mundo. No outro dia as Geografias daqui e do mundo. No último, Organização Social e Política do Brasil, coisas que dizem hoje os petralhas ser da finada ditadura, embora façam tudo para que os mortos não descansem.

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Exame médico. O médico, Doutor Damerau, me achou meio franzino, amarelinho, mas julgou que a comida do rancho podia dar um jeito e me aprovou. Puxa vida, só tinha dezessete anos. Mais novo que eu só o Bitenco.

Exame físico. Lembro que o Lourival de Souza corria mais que todos.

Por fim o tal psicotécnico do Capitão Edson Correa e do Tenente Sílvio Venzon. Tínhamos inveja do Getúlio que, irmão do capitão, deveria por certo passar com louvores. E assim formamos uma turma de 24 novatos, ou bichos, que formariam o CP-CFO (Curso Preparatório para o Curso de Formação de Oficiais).

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Começamos a nos acostumar com o ambiente. O alojamento, que ficava onde passou a ser depois o rancho, foi substituído pelo prédio de dois pavimentos denominado Conjunto Comandante Petters. Em cima deste sobrado havia dois alojamentos. O da esquerda para o terceiro e segundo anos e o da direita para os do primeiro ano e os bichos do CP. Acho que os mais antigos do primeiro ano se alojavam no lado esquerdo, ficando conosco os mais modernos. A turma deles era bem grandinha.

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Era um tal de os veteranos pegarem de nós pastas de dentes, creme de barbear, bolachas, que logo logo aprendemos a ser espartanos. Os bichos mais riquinhos, que traziam de casa verdadeiros banquetes, como o Santiago, já sabiam que deveriam dividir tudo com os mais antigos.

Um dia o aluno Anton, do primeiro ano, me pegou de um lado e o Bitenco do outro. Éramos os mais levinhos. E ficou nos carregando pelo pátio com aquele sorriso meio abobado. Fazer o quê!...

Começávamos a dominar o ambiente. À noite, tínhamos sempre a obrigação de levar leite numa caneca metálica para os veteranos. Quanto cuspe foi colocado nas canecas no meio do caminho, tudo muito enrustido. No alojamento havia silêncio depois das dez da noite. Obviamente, os alunos do primeiro ano continuavam falando à vontade, mas não permitiam que falássemos. Tudo naquele estilo cafajeste do "faça o que eu digo, não faça o que eu faço". Por conseguinte, nós do CP ficávamos a ouvir quietos, rindo internamente, as besteiras dos mais antigos. Pior foi uma noite em que eles resolveram conversar sobre quem tinha o membro masculino maior, médio ou pequeno. Não vou nominar, mas foram classificados os tripés e os mirradinhos. Tudo no mais perfeito e exaustivo besteirol.

O Dalton tinha o costume, todas as manhãs, de pegar a minha pasta de dentes. Um dia, já de saco cheio, tive a pachorra de encher a pasta com creme de barbear. Ele a pegou e colocou na escova, muito lampeiro. Voltou em seguida do banheiro querendo me matar. Mas sempre foi meu amigo.

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O pessoal do último ano, que respeitávamos mais e nos infundia um certo medo, compunha uma turma muito boa. Hostins, Freitas, José Walter, Uriarte, Jabor, Speck, Lauro, e outros mais, e não nos davam muita bola. Jabor e Uriarte eram os que mais davam trotes. Os veteranos costumavam adotar um bicho para lhes servir com exclusividade. Eu tive a dita ou desdita de ser escolhido pelo Speck. Limpava seus sapatos e botas, levava o leite, limpava a fivela com Kaol, essas coisas bobas. Era gente boa, pois não dava trote que implicasse em desforço físico. Mas me determinava ficar abanando com um leque a sua distinta pessoa, enquanto se estarrava no beliche do alojamento e me pedia para cantar ou contar uma história. E ouvia tudo muito sério e atento. Haja paciência!....

Um outro aluno da turma de aspirantes de 1967 era o Almeida. Simplesmente terrível tirar serviço com ele, pois o homem se revelava mais do que fissurado em faxina. Passávamos o dia limpando tudo, só tendo as aulas como refúgio. Ele mandava passar Kaol nas torneiras.

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Hilário vinha de Pomerode com camisas para vender. O cara dava nó em pingo d'água quando se tratava de comércio. Davi Hasse, bom companheiro, detestava cavalos. O Rebelo era metido a "remendar" todo mundo. Daniel vendia na hora da janta uns pratos feitos que achávamos muito bons, pois morava ali do lado. Emerim vendia pastéis e bananas recheadas, que pagávamos no fim do mês. Fazia isso bem no recreio da metade da manhã, quando já estávamos vesgos de fome. Ou à tarde.

Aprendemos Ordem Unida com o tenente Gevaerd, naqueles fuzis grandões do ano 1908, que talvez tivessem sido usados na primeira guerra mundial. Tinham o número da gente estampado na coronha. De vez em quando, passávamos por uma revista, onde se verificava se estes fuzis estavam limpos e imaculadamente brilhantes. Nunca passei, ganhando sempre licença cassada nos fins de semana, quando ocorria a bendita da revista. O tenente Gevaerd nos ensinou também o famoso quincôncio.

O Enéas, quando chefe de turma e comandando a gente numa Ordem Unida (estávamos com os fuzis), passou por um oficial e mandou olhar à direita, ou coisa assim. Só que ele, com o fuzil em ombro-arma, lascou uma bela continência para o gajo com a mão direita. Parece ter ficado de LC.

Um certo dia uma casa no morro em frente pegou fogo. Algum oficial deve ter nos mandado pra lá, pois poderíamos ser bombeiros e ali estava uma bela oportunidade de praticar. O Davi Hasse, chefe de turma, nos colocou em forma, frente pro morro e gritou: Em direção ao fogo... Acelerado.... E se mandou correndo sem nos ordenar o "Marche". Ficamos imóveis e ele a correr sozinho. Quando deu por si, voltou-se e gritou qualquer coisa assim: Ué! Vocês não vêm?... E lá fomos nós. Não sei se o Hasse ficou de LC por causa disso.

Uma vez, o Rebelo e o Eyng pegaram um jeep e saíram a dirigir pelos cantos da cavalaria. O alemão foi dar uma ré e jogou o carro contra uma escora, fazendo quase cair um galpão, ou coisa assim. Coitado do Eyng! Parece ter pegado uma cana grossa. tanto que, só podia ficar no alojamento e quando ia comer no rancho, o fazia acompanhado do plantão. Elemento de alta periculosidade, o nosso querido Catatumba.

Celito Pedro Eyng, Moacir Antônio Abreu, Jair Wolf e o Ademir Ferreira, o mais calado da turma, já se foram para outra dimensão. Que Deus os tenha em seu regaço!


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Djalma Dimas Nascimento e Emanuel Bittencourt eram os meus amigos mais chegados. Como eram boas as tais festinhas americanas que aprontávamos, volta e meia, na casa do Coronel Deoclécio, pai do Djalma, lá no Estreito. Seu Deoclécio era um senhor boníssimo, calmo e paciente. Foi ali que o Djalma namorou a Margareth , irmã do Mendél (o Mendes, que depois foi para a Celesc). Ali também o Bitenco se enrabichou pela Verônica, a Gigliola daqueles tempos bons. Estão casados até hoje, com filhos e netos (acho que o Djalma ainda não adquiriu competência para ser avô).

Um dia, estávamos eu e o Bitenco no Estreito e compramos de meia um maço de Hollywood. Cada um, é claro, ficou com dez cigarros. Eu nunca tinha fumado e acho que ele também. Fumei os dez naquele dia e quase cheguei a vomitar, tão verde fiquei. Mas na época era o supra-sumo da macheza e modernidade. Não havia essa paranóia acachapante e esquizofrênica de hoje contra os pobres dos fumantes. Num domingo à noite, não me lembro se eu e o Djalma ou eu e o Bitenco, chegamos na Escola podres de bêbados. Acho que tomamos cubas além da conta em alguma festinha, pois vez por outra as moçoilas espevitadas nos passavam pra trás. A nossa sorte foi ter o aluno Nelson Coelho como aluno de dia. Ele nos mandou para o chuveiro e depois ao beliche e relevou a nossa burrada, não nos anotando.

O Djalma tinha uma mania. Se alguém dissesse pra ele: Duvido que faças tal coisa..., era carta branca pra ele fazer. Uma noite, nós já estávamos no último ano, ele se empoleirou sobre os armários no alojamento e me desafiou: Duvidas eu me jogar daqui na tua cama?
O meu beliche era o de cima. Calculei que ele, mesmo se jogando, não ia acontecer nada. Foi só dizer "duvido" e o danado se jogou com tudo. O estrado não aguentou e lá se foram os dois (madeira e Djalma) parar na cama de baixo. com colchão e tudo. Naquela noite, ele arrumou pregos, um martelo e consertou aqueles filetes de madeira que seguram o estrado. Quem tem, tem medo!...

Numa outra ocasião estávamos com os fuzis no alojamento, não sei o motivo. O danado do Djalma pegou o meu fuzil, o 62, botou a arma para fora da janela, no andar de cima, e me disse: Duvidas que eu jogue esse fuzil daqui? Duvidei na hora. Esse negócio de fuzil, na época, era coisa do outro mundo. Dava cana grossa qualquer coisa que se fizesse com o tal do material bélico da sacrossanta Fazenda Estadual. Pois não é que o extepor soltou o fuzil, que foi se estatelar na calçada com a coronha rachada? Tanto ele como eu ficamos brancos de medo. O que fazer?...
O fuzil rachou, mas não se "desmilinguiu". A madeira da coronha era forte e ficou somente uma fissura. Mas dava de ver à primeira examinada. Tivemos sorte, pois logo em seguida ocorreu uma manobra. Levei o fuzil assim e na volta, dei parte ao capitão Venício que o fuzil tinha rachado, pois eu levara um tombaço no mato, numas pedras, quando estava numa patrulha. Não poderiam dizer, pelo menos, que a coisa foi intencional. Pensei pegar uma cana mais branda por causa do "duvido" do Djalma, mas o Capitão aceitou as minhas explicações e, sei lá, mandou arrumar o fuzil ou dar baixa dele. Íamos nos formar aspirantes logo em seguida e talvez por isso ele tenha sido mais maneiro.

Anos mais tarde, todos já na Reserva, contamos o fato verdadeiro ao coronel Venício, que se cansou de rir.
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Foi um tempo bom, apesar dos pesares. Tempo em que alunos novinhos, deslumbrados com o poder, faziam bobagens pensando estar arrombando, como por exemplo anotar Deus e todo mundo por causa de coisas pequenas como uma mancha no sapato ou um botão fora da casa. Mas, quem nunca as fez? Depois nos formamos oficiais e passamos a não mais ligar para os sapatos nem para os botões.

Mas que dá saudades, lá isso dá.

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