Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



quarta-feira, 14 de julho de 2010

A complicada primeira noite de amor de Pinuccio e Nicolosa.

Pinuccio convida seu amigo Adriano para uma aventura.
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Novela de Giovanni Boccaccio (síntese).
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Existiu na planície de Mugnone, região da Toscana, um campônio de bom coração de nome Gianelo. Tinha uma opulenta e ainda bonita mulher chamada Peronela, que lhe deu dois filhos. A mais velha, uma bela moça de seus dezessete anos, que atendia por Nicolosa, e um robusto menino ainda bebê.
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Pinuccio, um jovem mancebo, acompanhado do amigo Adriano, costumava vez por outra sair a cavalo da cidade próxima e se deslocar até o campo. Num desses passeios viu a Nicolosa e seu coração se encheu de ardores. Conseguiu com ela entabular conversa, e logo a moça se deixou levar por suas juras de amor açucaradas e pela possibilidade de um futuro casamento. Passaram a se encontrar constantemente no campo, e não demorou muito para que os dois, com abraços e beijos ardentes, dessem vazão parcial ao desejo reprimido. Pinuccio não via a hora de fazer sua a bela namorada. Ela, por sua vez, fez ver a ele que, se fosse possível, e desde que tudo se fizesse com a maior discrição, estaria disposta a satisfazer os seus anseios. Esperava manter com Pinuccio um compromisso mais sério que a tirasse da mesmice da vida de pobreza. Mas havia um outro problema. O pai zeloso não a deixava sair além do campo e somente quando o sol dourava a planície.
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O jovem teve uma ideia que julgou brilhante, e logo quis pô-la em prática. Junto com o amigo Adriano, alugou dois cavalos e montou duas malas, cheias de palhas ou vento, como se fossem viajar.
E assim chegou a dupla bem à noitinha na casa do Gianelo, pedindo-lhe abrigo, pois no outro dia cedinho continuariam a viagem até Florença. Deixaram os cavalos e as malas num pequeno estábulo e entraram na casa do campônio, que os atendeu muito bem, desde que lhe fosse recompensada a gentileza com algumas moedas. Pinuccio não se fez de rogado, pois o gasto para ele poderia ser um excelente investimento. O homem explicou que era pobre e dispunha de apenas um quarto com duas camas e um berço. Numa delas dormia com a mulher e na outra a filha Nicolosa. Mas resolveu o problema montando ali uma outra cama que estava guardada no estábulo. Além do quarto, sua casa tinha apenas a cozinha.
Depois de uma comida simples e um copioso vinho do campo, todos se dispuseram a dormir, pois a noite se fizera escura e sem lua.

A região da Toscana hoje. Não mudou muito em relação ao tempo de Pinuccio e Nicolosa.
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Gianelo e a mulher Peronela, que não dizia palavra mas olhava Adriano com certo interesse, deitaram-se numa cama, tendo ao pé o berço e entre eles as duas camas. Nicolosa abrigou-se numa e os dois jovens se aboletaram na outra como podiam.
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Já ia a noite alta e os roncos de Gianelo impediam os dois rapazes de dormir, embora dormir não fosse exatamente o que queria Pinuccio. Ele, julgando-se seguro, levantou-se sem ruído e se dirigiu para o leito da amada, mas esbarrou no berço e o afastou com cuidado. Passou adiante e logo chegou até a moça, que o recebeu radiante e com os olhos bem abertos.
E ali iniciaram os dois jovens a sua tertúlia amorosa sob as cobertas, sem qualquer barulho. Pinuccio encantou-se com Nicolosa, que se revelou prestativa e calorosa, de tal jeito que chegou até a deixá-lo desconfiado de sua virginal identidade. Mas creditou o ardor ao imenso amor que a rapariga lhe dedicava, o que ela, entre beijos, lhe assegurou.
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Aconteceu, porém, um barulho na cozinha, contígua ao quarto. Peronela acorda e se levanta para averiguar. Constata que nada mais é que o gato da casa esbarrando numa panela e volta para a cama. Como estava tudo muito escuro, orientou-se pelo berço, que Pinuccio trocara de lugar. Deitou-se ela, assim, ao lado de Adriano, pensando estar ali o marido. O rapaz, que não pregara olho, e não desejando sair daquela aventura sem algum prêmio, colocou-se sobre a mulher, que o recebeu muito bem, e deram as arremetidas que puderam, procurando não fazer barulho, para imenso prazer da Peronela. Esta estranhou o repentino calor do marido, que andava ultimamente meio sem suporte, mas não fez caso disso.
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Enquanto isso Pinuccio e Nicolosa abraçados, satisfeitos e muito surpresos, escutavam os sussurros da Peronela, que por mais silenciosa que quisesse ser, não podia nem tentava impedir os movimentos repetitivos e cada vez mais intensos do Adriano.
Pensou a Nicolosa um tanto envergonhada, que o pai e a mãe estavam a se comportar de maneira muito imprópria, pois tinham visitas. Logo em seguida se fez silêncio, tendo Peronela ficado cansada e muito satisfeita com o que obtivera. Logo ela e Adriano se puseram a dormir, pois o esforço fora grande.
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Pinuccio, por sua vez, que já colhera as flores do amor que viera buscar, resolveu voltar para sua cama. Observou que ali dormiam dois, e só poderiam ser o Gianelo com a mulher. A escuridão e o berço trocado também o desorientaram. Deitou-se, então, na cama onde só dormia um homem que fora prejudicado em toda aquela confusão, o pobre do Gianelo. Acordou-o de mansinho, pensando ser o amigo Adriano, e lhe sussurrou no ouvido: -- Meu caro, nunca vi mulher tão deliciosa quanto a Nicolosa. Acabei de ficar com ela na cama e ela me deu tudo o que eu vim buscar aqui.
Gianelo, aturdido e custando a crer no que ouvia, balançou a cabeça várias vezes para se assegurar de que estava acordado. E logo constatou que estava.
-- Pinuccio, você cometeu uma enorme vilania e abusou da minha confiança. Mas irá me pagar!...
E já foi levantando na tentativa de pegar um porrete na cozinha.
O jovem, apavorado, comprendeu que falara para o pai o que fizera com a filha, pensando ser o Adriano. Estava perdido. Mas o desespero logo lhe deu ideias e gritou:
-- O que é isto? O que o senhor está a fazer se me acordei agora? Não sei como estou na sua cama.
A Peronela, que acordara e ainda estava meio zonza, sussurrou para Adriano.
-- Escuta estes nossos hóspedes, marido! Olha como discutem!
-- Não seja por isso, senhora, respondeu o esperto rapaz. Que Deus lhes dê más horas, pois beberam muito vinho ontem!
A mulher, espantada, logo constatou que estivera fazendo piruetas na cama com o homem errado. Seu instinto de sobrevivência fez com que, muito lesta, se acomodasse na cama da filha, sem que o marido, que estava a gritar com o Pinuccio, percebesse.
Foi só a Peronela deitar que Gianelo, ainda bufando, acendeu o lume e viu a mulher na cama com a filha, o Pinuccio ao seu lado e Adriano sozinho no outro leito.
-- Imagina, mulher, o que me disse este desgraçado sobre a nossa Nicolosa. Mas eu vou vingar minha honra, nem que me custe a vida!
A dona da casa, que já entendera tudo e voltara à calma, respondeu ao marido:
-- Esse Pinuccio é mentiroso, pois nunca se deitou com nossa Nicolosa. Como poderia, se logo que dormiste vim aqui deitar com ela? Não consegui cerrar os olhos até agora e este rapaz não esteve aqui. Ele deve ser sonâmbulo e fala dormindo!
Adriano, vendo que a Peronela cobria com muita competência a sua vergonha e a vergonha da filha, falou para o amigo:
--Pinuccio, você deve parar com esta mania de falar o que sonha e trocar de leito. Ainda mais aqui, na casa de nosso bom Gianelo. Que Deus lhe dê um resto muito ruim de noite!
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Pinuccio compreendeu a situação. Fingiu acordar-se na cama do hospedeiro, espreguiçou-se várias vezes e gritou de repente:
-- Bom Deus! O que faço aqui?...
E logo correu para a cama do amigo Adriano.

A mulher deixou o leito da filha e foi acudir o bebê, que acordara com a barulheira e começara a chorar. Acalmou-o, espinafrando o Gianelo.
-- Você bebe demais e faz toda essa confusão! Nunca vai deixar de ser tolo!...
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O pobre do homem acreditou em tudo aquilo que ouvira. Naquele teatro, a única que não mentira fora a Nicolosa, porque ficara calada, mas com uma dúvida a lhe martelar a cabeça confusa. Será que a mãe fizera mesmo todo aquele barulho com o Adriano? Gianelo sossegou e foi dormir ao lado da esposa.
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No outro dia, acordado e de muito bom humor, dava gargalhadas zombando do Pinuccio e de seu sonambulismo falador.
Tudo acertado, os dois rapazes pegaram as bagagens e os cavalos, fingindo cavalgar na direção de Florença. Ao invés disso, fizeram uma grande volta e retornaram à sua cidade.
Gianelo, Nicolosa e Peronela, no final daquela noite inesquecível para as duas.
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Pinuccio e Nicolosa, usando de outras artimanhas, encontraram-se mais vezes para dar vazão à sua paixão. A Peronela, que julgava saber o que a filha fizera naquela noite, reclamava de vez em quando, chamando-a de desavergonhada, mas sem o marido ouvir.
Nicolosa, por sua vez, perguntava sempre à mãe o que estava fazendo na cama do Adriano, respondendo-lhe esta que somente ali sentara por segundos, pois o berço estava fora do lugar. Quanto ao barulho, mentiu com o maior cinismo à filha que o fizera com seu pai. Como a escuridão acobertara tudo, Nicolosa acabou acreditando e, por sua vez, tanto jurou ser inocente, com sentido choro, que fez a mãe, que para alguns assuntos não se mostrava muito esperta, crer que Pinuccio era realmente um sonâmbulo e que a filha ainda continuava com seu selo.
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E Peronela acabou, por fim, se convencendo de que fora a única mulher que festejara com muito prazer, e sem o marido, a dança de Baco naquela noite.
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Giovanni Boccaccio, escritor famoso da Idade Média (1313 Paris - 1375 Toscana), mais Dante e Petrarca, foram os três maiores vultos do florescer das letras italianas. Seu livro famoso foi Decameron, que muito escândalo provocou na época, onde dez jovens se reúnem e cada um, em dez dias, narra a sua novela, perfazendo cem.
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